Magic Mike e as alternativas em tempos de crise

Um dos cartazes de Magic Mike (idem, 2012) pode soar bastante repelente para a ala dos heterossexuais convictos e distanciá-los de uma sessão do filme. Afinal, trata-se de vários strippers com seus torsos desnudos e esfuziantes sobre um palco e cercado de luzes de tons arroxeados. Entretanto, o filme de Steven Soderbergh não foi concebido para ferir ou questionar a masculinidade de ninguém. O personagem-título, interpretado com certa competência por Channing Tatum, ganha a vida exibindo seus atributos físicos mantidos com horas de academia a mulheres que reagem ensandecidas à sua visão todas as noites. Mas ele não está disposto a fazer deste o seu ganha-pão a vida inteira, e já aposta as suas fichas em outros empreendimentos para quando o prazo de validade da sua carreira de dançarino sensual se esgotar. Durante o dia, ele trabalha na construção civil, além de ter alguns investimentos no banco. E essas informações têm a sua relevância no longa, que traz como uma de suas discussões centrais as alternativas que alguém pode encontrar em tempos de crise.

É na construção que Mike é apresentado ao seu novo colega de trabalho, o imaturo Adam (Alex Pettyfer), que ainda nem chegou à idade adulta e carece de responsabilidade sobre suas costas. Não demora para que Mike veja nele um potencial stripper e lhe apresente os bônus da vida sob os refletores. A situação de Adam é bem parecida com a dele anos atrás, o que desperta uma identificação de sua parte. Mike compartilha o que aprendeu e Adam se empolga com as possibilidades que o trabalho na casa noturna administrada por Dallas (um eficiente Matthew McConaughey), que também é uma espécie de padrinho dos homens que compõem o elenco de dançarinos da casa. Alguns clichês começam a aparecer nessas passagens do filme. Adam é tímido para se exibir diante do público feminino ávido de espetáculos libidinosos, e precisa passar por um treinamento que inclui sessões de dança em frente ao espelho nas quais Dallas se dispõe a explorar ao máximo a sensualidade adormecida do rapaz. Ele faz questão de dizer que Adam tem mais é que se soltar e que aquele ofício não é “coisa de gay”, como ele possa imaginar.

Aos poucos, o garoto ganha intimidade com o palco e, ainda que burle uma importante regra em sua primeira apresentação solo, começa a entender como funcionam os mecanismos que regem o trabalho no lugar. Enquanto isso, Mike vai sendo desenhado como o veterano que já pensa em abandonar o barco por não se ver mais fazendo a mesma coisa pelos próximos anos. À medida que sua experiência é transmitida para Adam, ele vai se esvaziando de sua vontade de pertencer àquele universo e pensando em outros horizontes. Surge, assim, uma paixão pela irmã de seu pupilo, que o cativa pela simplicidade e despretensão com que encara a vida. O relacionamento entre eles se inicia com uma amizade, mas Mike força a porta do coração de Joanna para algo mais íntimo, ainda que saiba que ela já tem namorado. Com isso, Soderbergh reacende a velha discussão de troca do velho pelo novo, reafirmando que a sopro de novidade é essencial àquele mundo. Esse detalhe de Magic Mike acaba por evocar Boogie nights – Prazer sem limites (Boogie nights, 1997), em que Paul Thomas Anderson mostra um Mark Wahlberg ascendendo e despencando na pele de um astro do cinema pornô.


Porém, o detalhe mais curioso do filme talvez sejam as apresentações dos strippers. São várias ao longo da trama, cada uma mais criativa do que a outra e até mesmo engraçadas. Todos cantam, dançam e interpretam personagens deliberadamente caricatos que divertem com seus gestos bem coreografados. A propósito, a desenvoltura de Tatum como Mike não é resultado de ensaios exaustivos antes das filmagens. O ator foi mesmo stripper durante algum tempo antes de abraçar a carreira artística e emprestou suas vivências para o protagonista, cujo posto de astro da noite vai sendo suplantado por Adam com a sua aquiescência. E, quando o rapaz começa a se deslumbrar com os dividendos arrecadados de seus shows de exibicionismo, apressa-se em aconselhá-lo, tornando-se uma espécie de irmão mais velho que busca mantê-lo afastado de problemas. Com isso, o diretor também repensa o conceito de amizade masculina e demonstra que o carinho entre homens não tem de estar necessariamente relacionado ao homoerotismo. Mike se preocupa por Adam sobretudo por enxergar nele um reflexo do que ele mesmo fora poucos anos atrás, e sua disposição em ajudá-lo também é, de certo modo, uma ajuda a si mesmo.

A essa altura, a produção ganha inserções dramáticas e se firma como o reverso de muitas produções cômicas desmioladas que destilam piadas prontas com intervalos de poucos minutos. Não chega a ser um primor em termos de arquitetura narrativa, mas também não é a quase nulidade que boa parte da crítica comentou a seu respeito. Soderbergh, aliás, é um realizador que preza o equilíbrio entre a profundidade dramatúrgica e o entretenimento, cuja filmografia vem se alternado entre projetos mais pessoais – vide Bubble (idem, 2005) – e outros de roupagem populares, como é o caso de Contágio (Contagion, 2011). Ele foi um dos poucos a emplacar duas indicações ao Oscar de diretor em uma mesma edição da cerimônia, e acabou premiado por um dos filmes, o múltiplo Traffic (idem, 2000). Nos últimos meses, porém, tem anunciado aos quatro ventos que se aposentará. O detalhe é que ele não havia sido pensado desde o início para assumir o comando de Magic Mike, já que Tatum convidou Nicolas Winding Refn para o cargo. O dinamarquês, todavia, recusou o convite porque já estava envolvido com as filmagens de Only God forgives, que permanece inédito para o público. Fica a curiosidade de imaginar como o diretor responsável por Drive (idem, 2011) conduziria a trama cujo elenco carismático é seu trunfo, uma vez que o roteiro não é tão exigente no que concerne a dramaticidade.

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