Metrópolis, a sinfonia do caos citadino


Certos filmes têm na atemporalidade a sua maior virtude e, ao mesmo tempo, o seu maior defeito. Esse é o caso de Metrópolis (Metropolis, 1927), alegoria futurista com aura de lenda dirigida pelo também lendário Fritz Lang. Ele apostou no olhar para um porvir distópico, abrindo caminho para que muitos outros colegas de ofício pudessem também empreender suas análises com vistas aos dias que ainda haveriam de chegar. Aqui, a narrativa se concentra na cidade que intitula a obra, um lugar onde a produtividade dos trabalhadores é requerida custe o que custar. A jornada de trabalho é desumana e, para cada operário, não há tempo para quase nenhuma outra atividade além de cumprir sua função na fábrica do homem mais poderoso dali. Logo no começo do filme, percebe-se o quanto aquela multidão de empregados se parece com o proletariado do final do século XIX, com suas condições de trabalho nada saudáveis e a insatisfação constante com o tratamento que recebem do patrão. Eles entram na fábrica e batem seus cartões como zumbis, e essa ação mecânica se estende por todo o tempo em que estão em expediente.

Com isso, a cidade nunca para nem dorme. Vinte e quatro horas por dia, ela precisa ser mantida em movimento, e cada operário sabe lidar somente com as atribuições do setor em que se encontra. Essa especialização excessiva acaba gerando um emburrecimento nesses homens, que foram retratados em uma produção posterior pela via do humor, no também clássico Tempos modernos (Modern times, 1936). No caso de Metrópolis, o que se verifica é a dualidade entre drama e ficção científica, com todas as limitações que um projeto como esse poderia encontrar à época em que foi concebido. Contudo, Lang demonstrou grande talento para lidar com os recursos de que dispunha, e construiu cenários grandiosos e espetaculares para sequências memoráveis – como a da inundação da cidade, lá pelas tantas – o que resultou em um dos filmes mais caros de seu tempo. Essa cena, a propósito, é uma das comprovações de que é possível unir efeitos visuais e uma narrativa bem elaborada, sem que o filme se torne refém da tecnologia, mal que vem grassando no cinema contemporâneo.



O roteiro de Metrópolis é uma parceria do próprio Lang com Thea Von Harbou, e é um dos aspectos mais elogiados de todo o filme. Verdadeiramente, foi muito bem escrito e coloca as cenas e situações em seu devido lugar. A dupla conseguiu criar uma atmosfera de opressão sobre os trabalhadores, que se vêem cada vez mais sem identidade e capacidade de executar alguma função além daquela para a qual foram especificamente designados. Ademais, a riqueza de detalhes com que foi pensada a caracterização dos personagens, especialmente no que tange ao aspecto psicológico, é notável. Para além de qualquer nome principal no elenco do filme, a grande protagonista é a cidade em si, com suas engrenagens e mecanismos modernos, que não pode se dar ao luxo de interromper seu funcionamento por um minuto sequer. Apesar disso, o enredo tem como figuras centrais John (Alfred Abel) e Maria (Brigitte Helm). Ele é o filho do grande empresário da cidade, responsável por confinar a classe popular ao subsolo metropolitano. Ela é uma jovem com forte inclinação revolucionária, que começa a incitar a população para um levante contra a tirania de Freder, o grande algoz da história. Daí surge a reviravolta principal do filme, que consiste na decisão de Freder de seqüestrar Maria para, em seu lugar, colocar um robô com as suas feições e, assim, convencer os trabalhadores de que o melhor que eles têm a fazer é continuar obedecendo cegamente aos desígnios propostos pelo ricaço.

Os desdobramentos subsequentes ao estratagema de Freder permitem que Metrópolis cresça ainda mais como filme e demonstre a sua atemporalidade no sentido negativo do termo, conforme se comentou inicialmente. O personagem é a representação clara dos grandes empresários interessados em aumentar seus rendimentos até às últimas consequências, o que os leva, muitas vezes, a eleger meios ilegítimos para chegar aos resultados desejados. Por outro lado, na figura de Maria, o realizador parece apresentar uma espécie de redentora, dada a capacidade de esclarecimento da jovem e o seu êxito em granjear adeptos de sua filosofia revolucionária. Ela é o perigo iminente para Freder, ainda mais por despertar a paixão de seu filho, que começa a se condoer e a se identificar com o sofrimento dos trabalhadores de seu pai. O fato de a personagem, praticamente a única do sexo feminino, ser homônima da mãe do Salvador certamente não terá sido obra do acaso. E, assim, pungente em suas asserções e referências, Metrópolis encanta e impressiona o espectador, sinalizando a sua atualidade e se configurando como uma sinfonia do cataclisma citadino, em uma urbe que, especialmente para o mal, é tipo das megalópoles hodiernas.

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