Questão de tempo e o olhar carinhoso sobre a vida e o amor

Roteirista bem-sucedido de títulos como Quatro casamentos e um funeral (Four weddings and a funeral, 1994) e Um lugar chamado Notting Hill (Noting Hill, 1999), pelo qual segue lembrado a cada novo trabalho, Richard Curtis fez de Questão de tempo (About time, 2013) o seu terceiro longa-metragem como realizador, em que volta à temática do amor. A premissa é muito similar a de tantas outras produções ora dramáticas, ora cômicas que têm lugar cativo em Hollywood, mas a ternura e a honestidade com que ele reveste o decorrer da narrativa a colocam alguns patamares acima de tantos exemplares genéricos e esquecíveis. Trata-se de um filme sobre segundas chances e saber aproveitar os momentos que a vida oferece e que buscamos, tópicos de alto potencial para comover. A ocasião para abordá-los se faz através de Tim (Domhnall Gleeson), jovem desajeitado no amor que, ao completar 21 anos, conhece um segredo importante: os homens de sua família têm o poder de viajar no tempo. 

A introdução desse elemento fantasioso ao enredo, diferentemente do que pode parecer, não o afasta da verossimilhança. Tudo segue bastante palpável e vai revelando um filme preocupado com a humanidade dos seus personagens, que não os isenta de enfrentar problemas. Tim é informado pelo pai (Bill Nighy, sempre ótimo) de que as tais viagens só podem levá-lo ao passado e não vão lhe oferecer soluções mágicas. Inicialmente incrédulo quanto à novidade, ele segue as instruções para voltar no tempo e, uma vez ciente da sua veracidade, decide usá-lo para conseguir uma namorada. É quando vai se aproximando de uma garota que vai passar as férias em sua casa, mas não consegue alcançar seu coração, e o faz entender, na prática, que a possibilidade de ir e vir ao longo dos dias, meses e anos não vão fazer de uma mulher alguém apaixonado por ele. Para além dessa constatação, ele percebe o quanto o sexo feminino é complicado, desejando sempre o oposto do que os homens fazem.

É na completa falta de controle sobre o seu destino que ele, finalmente, encontra o amor, sintetizado na figura de Mary (Rachel McAdams), amiga da nova conquista de seu amigo. Totalmente entregue ao sentimento pela bela jovem, ele volta a meter os pés pelas mãos em atitudes desengonçadas, sobretudo no jantar às escuras em um restaurante cujos garçons são todos cegos. A sequência, aliás, é uma das melhores do filme, que leva os personagens a compartilhar aquela experiência inovadora com os personagens. Por breves minutos, não vemos nada na tela e ficamos apenas com o som da conversa do quarteto, aquela típica situação de primeiro encontro em que os assuntos engrenam com dificuldade e há um esforço em se mostrar o melhor de si. Somente após saírem do local, Tim e Mary se veem pela primeira vez, mas ele já estava apaixonado antes daquele momento. O fator complicador da trama surge quando ele apaga acidentalmente o dia em que a conheceu, e precisa fazê-la conhecê-lo de novo, numa espécie de reconquista.

A essa altura, Questão de tempo é essencialmente um romance que acompanha a luta de um personagem absolutamente comum por um amor no qual acredita. O biotipo ao mesmo tempo exótico e banal de Gleeson contribui para torná-lo próximo de qualquer um e despertar a torcida para que seus planos deem certo. Apesar de uma carreira que já compreende mais de 20 filmes, o ator ainda passa por novato e não faz jus à imagem apolínea de galã à qual o público está habituado. Sendo gente como a gente, fica fácil crer na sua vulnerabilidade e desejar que Mary passe o resto da vida ao seu lado. Felizmente, ele acaba conseguindo um novo começo com ela, e narrativa passa a trilhar um rumo levemente distinto. Passada a fase da conquista, os personagens experimentam a construção de um relacionamento pensado para ser duradouro, o que inclui o casamento e a geração de filhos, acontecimentos que são planejados e vividos com intensidade. Em paralelo, Tim continua com suas viagens no tempo, sempre cuidando para não alterar demais os fatos do futuro/presente.


É nessa etapa da vida que Tim e Mary começam a lidar com questões mais objetivas, que envolvem a busca por uma estabilidade financeira e decisões das mais simples às mais complexas que compõem a vida de um casal, outros elementos que tornam Questão de tempo um filme superior a tantos "concorrentes" diretos e indiretos. Curtis aposta em um olhar sobre o amadurecimento dos protagonistas, que precisam encarar a vida com seus pesares e contentamentos, e não em um romance de encontros e desencontros causados pelas adversidades, o que pode ser encontrado em qualquer novela global. Em seu cinema, o amor é muito mais, e não se restringe a um só tipo: não existe apenas o amor erótico. Também autor do roteiro, ele gasta parte do seu tempo analisando o amor entre pai e filho, apresentando a linda relação de Tim com o homem a quem deve sua vida, traduzida em conversas francas e gestos carinhosos. 

Justamente por conta do pai é que ele faz uma das suas últimas viagens no tempo, já alguns anos depois de lançar mão do expediente pela primeira vez, e nos brinda com uma das cenas mais emocionantes dos últimos anos: em um dia na praia, estão apenas os dois, compartilhando momentos, simplesmente vivendo e sabendo que tudo aquilo, em breve, fará parte apenas da memória. Tim, então, se dá conta de que viver se aprende, e erros e acertos compõem a bagagem de todos. Longe de abraçar o didatismo ao deixar sua mensagem, o filme flui e deixa respirar, sem a pretensão de inventar a roda ou doutrinar ninguém. A exemplo de seu xará Richard Linklater, um exímio analista dos efeitos do tempo sobre um casal, Curtis se apropria do tema e adiciona outros; a julgar por suas idades - ambos estão na faixa dos 50 anos -, já tem experiência suficiente com essas questões, e falam do que conhecem bem, lembrando que amar e viver são verbos indissociáveis. 

9/10

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