À procura do amor e o doce sabor da simplicidade

Charme e despretensão caminham lado a lado na proposta feita por À procura do amor (Enough said, 2013), cujo maior chamariz está no fato de ser o derradeiro filme estrelado por James Gandolfini. Falecido em junho de 2013, o ator empresta seu biotipo robusto para um personagem simpático e cotidiano, desses que podemos encontrar pelas ruas ou em uma festa qualquer. Aliás, é exatamente por ocasião de uma festa que Eva (Julia Louis-Dreyfus) o conhece. A outra protagonista da história é uma extrovertida massagista que, separada há vários anos, adotou uma postura desacreditada no amor e varre para debaixo do tapete qualquer possibilidade de atração física que venha a sentir por algum homem. Logo que é apresentada a Albert (Gandolfini) por um amigo em comum, faz questão de deixar isso claro, ganhando a concordância do sujeito de barriga proeminente – no juízo da própria.  

Entretanto, o amor reserva armadilhas, e Albert se interessa em se aproximar mais de Eva, pedindo o seu telefone e marcando um encontro. Essa primeira vez dos dois a sós rende os primeiros momentos inspirados da comédia de Nicole Holofcener, que responde tanto pela direção quanto pelo roteiro. Apostando na identificação que o mais democrático dos sentimentos desperta, ela põe nos lábios de seus personagens diálogos deliciosos, muitos deles confissões íntimas feitas sem cerimônia e, em boa parte, de modo desastrado. Eva e Albert são dois atrapalhados que nem sempre escolhem bem as palavras, e dizem mais do que o suficiente, ao contrário do que o título original do filme leva a supor. E, nessa falta de habilidade para lidar um com o outro, o carinho vai crescendo e se transformando e paixão, para se sedimentar mais adiante como amor, sem jamais perder a verossimilhança. É fácil sorrir junto com eles ou de suas atitudes, e somos colocados em uma posição vantajosa como espectadores, pois testemunhamos vários lados desse relacionamento.

Ocorre que, na mesma festa em que foi apresentada a Albert, Eva consegue mais uma cliente para a sua massagem, a poetisa Marianne (Catherine Keener, atriz-assinatura da realizadora) que, à semelhança dela, está divorciada há tempos e vive de encontros eventuais com homens que nunca chegam a empolgá-la. O elemento complicador da narrativa, sempre leve e ligeira, está no detalhe de que Albert é o ex-marido de Marianne, algo que Eva descobre aos poucos a partir das constantes reclamações da sua nova cliente. A escritora diz horrores sobre o homem com quem foi casada por pouco mais de uma década, criando uma imagem execrável na cabeça da massagista que, depois de juntar as peças e ligar as atitudes à pessoa, fica em uma saia justa da qual não sabe como se livrar, e se enrola cada vez mais no frágil equilíbrio entre continuar saindo com Albert e permanecer emprestando seus ouvidos às lamúrias de Marianne, uma personagem que merecia um acabamento mais interessante e que soa um tanto cansativa a partir de certa altura da história.


À procura do amor também traz personagens periféricos interessantes e divertidos, como Sarah (Toni Collette, sempre bela), melhor amiga de Eva, cuja realização está em viver trocando os móveis da casa de lugar, confundindo o marido e o filho a cada nova mudança que faz. Seus desentendimentos com a empregada, que coloca os objetos nos compartimentos mais inusitados, também rendem momentos engraçados, e deixam a certeza de que a atriz merece ser mais lembrada e ganhar mais espaço nos filmes em que atua. Não chega a ser uma ladra de cenas, pois a generosidade é uma das suas características como profissional. Prefere funcionar como escada para Louis-Dreyfus com muita elegância e talento, dando provas que o termo “papel pequeno” é uma falácia digna de ser derrubada: o que existe são atores pequenos. A outra subtrama interessante é o relacionamento meio gangorra entre Eva e a filha única. A jovem tem uma amiga de quem a mãe acaba se aproximando demais, causando-lhe ciúmes, algo que Eva demora a perceber, como distraída que é. Há uma discussão minimamente consistente a esse respeito que ganha espaço na história.

A estrutura geral de À Procura do Amor é bastante similar à de tantas outras comédias românticas que surgem no circuito, mas Holofcener tem a seu favor a ótima química entre os atores e a capacidade de extrair graça das situações mais prosaicas, um forte despertador de identificação. De certa forma, todo mundo é ou conhece um ou mais dos personagens do filme, seja pelos seus desejos, seja pelos seu planos. E a tal saia justa em que Eva passa a estar a certo ponto da narrativa é totalmente verossímil, dessas que pode acontecer a qualquer um. A propósito, há um certo ar alleniano em sua construção, o que, para alguns, pode tornar a personagem ainda mais cativante. Sua intérprete, aliás, já compareceu em dois filmes do diretor em papéis discretos – Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters, 1986) e Desconstruindo Harry (Deconstructing Harry, 1997) – e incorpora bem a figura da amante aparvalhada. Ao chegar à sua cena final, A despedida de Gandolfini do Cinema e da vida ratifica o triunfo da simplicidade e da delicadeza, sem qualquer malabarismo técnico ou narrativo. Por que negar uma necessidade que todos nós temos?

7.5/10

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