O grande Gatsby e as extravagâncias de um cineasta

O que não falta em O grande Gatsby (The great Gatsby, 2013), ao longo de toda a sua duração, é extravagância. Escolhido como filme de abertura do 66º Festival de Cannes e dirigido por Baz Luhrmann, o longa é a quarta adaptação para o Cinema do romance homônimo de F. Scott Ftizgerald, cuja proposta era flagrar alguns hábitos da sociedade estadunidense dos anos 20, às vésperas da quebra da Bolsa de Nova York e suas consequências desastrosas. A cada fotograma, a história transpira pujança visual e, ora embevece, ora enfada o público. O realizador, definitivamente, não economizou nos confetes e nas serpentinas para entregar a sua leitura do clássico estudado em dez entre dez escolas dos EUA. Com isso, é preciso estar preparado para uma série de alegorias, no sentido literal da palavra, sob pena de não aderir à proposta oferecida em seus cansativos 142 minutos, que fazem muito barulho com sua trilha sonora recheada de canções entoadas por nomes incensados do cenário musical contemporâneo.

O cerne da trama é um romance interrompido pelas circunstâncias. Nos primeiros minutos, entramos em contato com o narrador da história. Nick Carrraway (Tobey Maguire) está diante de um velho homem, ao qual começa a contar sobre sua vida anos antes, o que inclui sua amizade com Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio), um homem tão misterioso quanto fascinante ao qual ajudou em um detalhe fundamental. Tudo o que sabemos a respeito do personagem-título é filtrado pelo olhar de Nick e, levando em consideração o grande afeto que ele tinha pelo amigo, não é de se estranhar uma certa idealização de sua figura, assinalada pelo adjetivo “grande” que o acompanha no título do livro e do filme. Em meio à purpurina espalhada por Luhrmann, conhecemos a angústia de Gatsby e a sua motivação: ele se apaixonara por Daisy (Carey Mulligan) cinco anos antes de conhecer Nick, e anseia por reatar o relacionamento que tinha por ela agora que é um novo rico.

A função de Nick, a essa altura, é servir de ponte ao reencontro do ex-casal. Uma vez tendo travado amizade com Gatsby, ele dá sua grande prova ao amigo de que a leva a sério e conduz Daisy para junto dele novamente. O detalhe é que, agora, ela é uma mulher casada. Seu esposo, Tom (Joel Edgerton) é um canalha de marca maior, que a trai com Myrtle (Isla Fischer) sem o menor pudor e se faz de ofendido com a mudança de comportamento que ela apresenta. Está formado o triângulo amoroso (ou quadrilátero, pode-se dizer) que, cedo ou tarde, culminará em tragédia. É sobre esse aspecto do enredo do livro que o diretor se debruça, o que faz do filme mais um entre tantos que se vale da temática dos relacionamentos amorosos complicados por fatores diversos. Por vezes, pode parecer que O grande Gatsby é mais do que isso, visto que a parafernália tecnológica do 3D associada a uma direção de arte espetaculosa contribuem para uma ilusão de grandeza ou profundidade. Mas o fato é que, descontado todo esse aparato, resta um filme extremamente simplório.


Faltou a Lurhmann uma ambição que fosse além do requinte visual e perpassasse a condução do enredo. Sua intenção de trazer uma leitura pop de um romance que permanece importante há várias décadas é totalmente válida. O problema reside no fato de que ele prefere descambar para o carnavalesco sistematicamente, já que a consequência é negligenciar o arco dramático atravessado pelos personagens. Acima de tudo, O grande Gatsby é um folhetim reducionista que já foi visto e revisto várias vezes, e de modo bastante similar. Não é exagero falar que DiCaprio e Maguire estão desperdiçando o seu talento ali, emprestando-se a personagens de poucas nuances . Mulligan, por sua vez, está insossa, e não lembra a intensidade que soube imprimir aos seus papéis em Drive (idem, 2011) e Shame (idem, 2011), nos quais ganhou enorme e merecida projeção. Sua Daisy é tão desinteressante que mesmo uma torcida a seu favor é difícil. O que Gatsby teria visto nela além de um rosto angelical? A dupla de atores, por sua vez, entrega bons desempenhos e demonstra franca química. É uma pena que, no afã de produzir seu espetáculo, Luhrmann também não dê espaço ao desenvolvimento da amizade entre seus personagens, que é apenas ensaiada muito discretamente.

A recepção morna ao filme em Cannes, portanto, não é de espantar. Era desejável que O grande Gatsby fosse uma produção com mais viço no tocante à composição dramatúrgica, e não apenas no aspecto imagético. É possível se encantar com as festas megalomaníacas oferecidas pelo milionário em sua casa – sempre com a intenção de se reaproximar de Daisy, mas elas não poderiam ser o sustentáculo da narrativa do filme, que ainda apresenta problemas de montagem. Em certos momentos, toda aquela história contada por Nick se assemelha a um delírio lisérgico, por sua descontinuidade e certos arroubos. Não que um filme perca em qualidade ao apostar em uma estrutura não-linear. Longe disso. A questão que emerge aqui é a sensação de que a ausência de continuidade foi acidental, o que faz a história perder pontos. Some-se a isso a escolha por colocar um prólogo ambientado no presente e um narrador que se volta ao passado para revelar fatos marcantes de sua vida para, ao final, ter aqueles eventos por escrito. Um pouco menos de obviedade teria feito muito bem ao filme, que tem os seus méritos, mas os dilui pela insistência em se apresentar como um pavão em busca de sua parceira. Quando uma nova camada de alguns personagens vêm à tona, talvez já seja tarde demais para se desfazer dessa concepção.

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