O peso de cada palavra em Antes do pôr do sol

Essa pequena introdução vem logo após uma deslumbrante sequência pelos espaços que os personagens percorrerão ao longo de pouco mais de uma hora de diálogos abrangentes. Ruelas, praças, margens de um rio, esquinas, calçadas, avenidas: cada recanto é precioso porque, novamente, os dois terão poucas horas na companhia um do outro. E o reencontro se dá quando, ainda concedendo a entrevista, Jesse olha uma das janelas da livraria e avista Celine, que acena com um sorriso discreto, mas entusiasmado o bastante para reacender nele uma velha chama ou, quiçá, apenas intensificar um calor que nunca se desfez de todo. Mesmo que praticamente uma década tenha transcorrido desde o último adeus, aquele novo cruzamento de olhares dá a entender que as horas que viveram estão mais recentes do que nunca, e clamam por uma continuidade imediata. A entrevista se encerra e Jesse pode se dirigir a Celine, exibindo um misto de surpresa, alegria incontida e alguma reserva: afinal, quem pode ser e pensar exatamente o mesmo depois de nove anos? Por mais que um leia no olho do outro a comoção por aquele reencontro, certa dose de cautela é sempre bom.
Então, ambos retomam uma conversa que havia sido interrompida no encontro anterior, que se mistura a sorrisos ora tímidos, ora escancarados, celebradores de uma oportunidade que parecia que jamais se concretizaria. A primeira grande dúvida que eles tratam de dirimir é sobre o cumprimento da promessa de se reverem no mesmo lugar no ano seguinte ao primeiro encontro. A princípio, Jesse nega que tenha retornado à estação, o que traz alívio a Celine, já que ela não pôde comparecer ao local devido a uma enfermidade de sua avó. Pouco depois, contudo, Jesse confessa que esteve no lugar conforme o combinado, bem como admite a frustração que viveu naquele momento por ver que estava sozinho, deixando Celine culpada. Ainda assim, Jesse prefere esquecer esse episódio e se concentrar na segunda chance de estar na companhia de Celine, que foi ao seu encontro depois de saber que seu livro seria lançado na livraria que considera sua favorita. É o que ela responde a Jesse quando perguntada sobre como foi aparecer ali justamente quando ele estava sendo entrevistado.
É assim que, pouco a pouco, Antes do pôr do sol vai envolvendo seu espectador: tomando por base a palavra, o diretor Richard Linklater parte de uma premissa bastante similar à do primeiro filme e investe na simplicidade aliada à complexidade. Seu filme é simples porque prescinde de estripulias visuais e narrativas, sendo conduzido pela força dos longos diálogos. Paradoxalmente, é complexo porque fala de sentimentos, cuja verbalização é sempre uma tarefa ingrata, da qual nunca consegue dar-se conta por completo e é, antes de mais nada, tentativa. Jesse e Celine falam do que sentiram e do que sentem, procurando se apresentar um ao outro com a cara descoberta, sem deixar de expor suas verdades interiores, confinadas em seus íntimos durante anos e que, agora, eles têm a possibilidade de escavar e tornar conhecidas para alguém além de si mesmos. E são verdades que interessam apenas ao outro, não dizem respeito a mais ninguém. Nesse sentido, o longa-metragem é um estupendo triunfo, mantendo-se calcado na estética da sinceridade, sem floreios ou rebuscamentos pernósticos. Jesse e Celine estão nus e crus, sem qualquer autodefesa que impeça seu desabrochar lento e gradual.
Nos lábios dos protagonistas, cada frase é um sopro de espontaneidade, um mérito da escrita verossímil de Linklater, que contou com a colaboração de Hawke e Delpy no roteiro. A palavra é entronizada em Antes do pôr do sol e exibe sua polivalência: revela desejos, desfaz enganos, acaricia por metáforas, galvaniza sentimentos. A cada passo adiante pelo entardecer parisiense, uma nova confissão, um novo detalhe evidenciado. E a beleza, por vezes dura e cruel, dessas palavras, casa perfeitamente com a fotografia de Lee Daniel [não confundir com o diretor de Preciosa – Uma história de esperança (Precious, 2009)], colaborador recorrente do cineasta, que captura os matizes de uma cidade que tão bem faz jus à sua correlação com a paixão e o romantismo. Entusiasmados pela presença concreta um do outro, Jesse e Celine fazem o máximo que podem para adiar a nova despedida: ele a convida para acompanhá-lo no carro que o levará ao aeroporto e, assim ganharem alguns minutos. Dentro do veículo, Celine extravasa seu grande desconforto por ter vivido os últimos anos em forte expectação pelo romance com Jesse. A essa altura, ambos já foram longe demais em seus desejos. O apogeu desse (des)enlace, contudo, está em seu ato derradeiro. Em seu apartamento, Celine entoa, auxiliada por seu violão e após a insistência de Jesse, a balada melancólica que compôs para sua coita amorosa: poucos versos bastam para derrubá-lo, assim como a nós, público, embevecidos por tudo que vimos e ouvimos até então. Como partir agora?
AVALIAÇÃO: *****
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