Leves dúvidas sobre a existência em Onde está a felicidade?


Estigmatizadas por grande parte dos apreciadores de um cinema complexo ou cerebral, a comédia pode render bons filmes, e é sempre válido conceder uma chance a elas. Por isso, Onde está a felicidade? (idem, 2011) deve ser visto antes de se pensar nele como uma obra descartável. A indagação presente no título está longe de ser respondida objetivamente, para alívio ou desespero da plateia. O que Carlos Alberto Riccelli, diretor do longa, promove, é um passeio divertido e multicolorido pela vida de Teodora (Bruna Lombardi), mais conhecida como Teo, a apresentadora de um programa televisivo de gastronomia. Aparentemente, ela nada na mais completa estabilidade, tanto profissional quanto pessoalmente. Aí reside o problema: é apenas aparentemente. Seu mundo cor-de-rosa vira de cabeça para baixo com a descoberta da traição do marido Nando (Bruno Garcia), bem como de que seu programa não anda muito bem de audiência. A conjunção de fatores a leva a tomar uma decisão revolucionária para os seus padrões: fazer o famoso Caminho de Santiago.

Como se comentou inicialmente, trata-se de uma comédia, o que leva os rumos da narrativa para sorrisos e algumas gargalhadas, no estilo saudável do termo. Onde está a felicidade? flerta bem de perto com a gramática mais comercial e se configura como um filme redondo, cujas arestas são bem podadas e levam à conclusão de que é uma obra sem grandes pretensões, para sair do cinema com a cuca fresca. Demérito? Eis um termo que até pode ser aplicado ao filme, mas há que considerar que uma boa parcela do público pode se agradar da proposta do diretor. Pode-se dizer, na verdade, que ele ocupe uma posição limítrofe entre o ótimo e o regular. Em outras palavras, não é maravilhoso, mas também não é ruim. E tem alguns detalhes que o engrandecem como cinema, especialmente a citação notável a Almodóvar, o mestre da policromia cinematográfica. Cada cenário, cada figurino e algumas situações remetem ao estilo do realizador espanhol, caracterizando-se como homenagens oportunas. Entretanto, é bom que fique claro que Riccelli não brinca de copiar Almodóvar, mas emula o seu arsenal de particularidades de modo interessante.

A propósito, uma comparação rápida entre esse o filme anterior do brasileiro, O signo da cidade (idem, 2007), demonstra que versatilidade não lhe falta, para o melhor ou para o pior. Aliás, ambos os filmes valem, antes de mais nada, pela possibilidade que oferecem de diálogo com os outros. No filme de 2007, Riccelli investiu em uma estética mais obscura, remetendo aos painéis de Robert Altman. No filme de 2011, apostou em uma comédia ensolarada que fala de perto com um público amplo, sem resvalar para a baboseira. As entrelinhas de Onde está a felicidade? estão impregnadas dos questionamentos que todos fazemos sobre a existência. Existe um caminho ideal para ser feliz? Somos totalmente responsáveis pela nossa própria felicidade e pela de quem está perto de nós? Sempre despojado da obrigação de dar uma resposta fechada a essas perguntas, o filme vai dando o seu recado de forma simples e agradável, mesmo que pouca coisa permaneça após o fim da sessão. Por conta dessa espécie de hibridismo, ele dividiu opiniões desde o início de sua carreira. Ao ser exibido no Festival de Paulínia, que vem ganhando renome e prestígio a cada ano que passa, o filme levantou o questionamento sobre o espaço que seria devido a obra de apelo marcadamente comercial. Em um reduto de filmes mais alternativos, este soaria deslocado.



Discussões à parte, o fato é que o filme merece uma chance, devendo ser visto sem a capa dos pré-conceitos que enviesam o relacionamento com uma obra, seja ela do tipo que for. O cinema, afinal, é feito de instantes de reflexão e também de diversão, e Onde está a felicidade? consegue equilibrar, de certa maneira, os dois lados. Bruna Lombardi é a principal responsável por encher a tela de brilho, mostrando que também tem um bom timing cômico, que também se traduz em sua escrita, já que ela é roteirista do longa. Apesar de faltarem diálogos memoráveis, existem cenas que chamam a atenção pelos conceitos que trazem embutidos a ela. Como a que brinca com os estereótipos masculinos, trazendo um homem muito educado que é confundido por outro personagem como homossexual. Será que homens não podem ser gentis uns com os outros? O roteiro também é feliz ao trazer como amiga da protagonista. Na pele de Aura, María Pujalte oferece vários momentos hilários para a trama, dando alguns conselhos divertidos para Teodora e umas pílulas muito apreciadas pela apresentadora.

O filme também se aproxima de outro que recentemente ganhou os cinemas: Comer, rezar, amar (Eat, pray, love, 2010). Ambos se relacionam por trazerem mulheres em busca de um eixo central para suas vidas, mas Onde está a felicidade? chama mais a atenção pelo visual charmoso e pelas cores quentes. No mais, é aquela velha história: em time que está ganhando, não se mexe. Centrado nessa concepção, o diretor também recrutou Bruno Garcia para o papel que ele sabe fazer melhor, o de abobalhado divertido. Por conta disso, o filme deixa aquela sensação um tanto desconfortável de que, apesar de bom, poderia ter alçado voos mais altos. Sua intenção nunca pareceu ser a de se mostrar uma obra-prima, mas um pouco mais de ousadia e sofisticação no estofo dramático, no fim das contas, teria sido muito benvindo, e a visão geral do filme talvez fosse menos imparcial ou, por que não dizer, em cima do muro.

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