QUINTETO DE OURO - JULIANNE MOORE

Qualquer lista de boas atrizes que se preze tem de reservar espaço para Julianne Moore. Essa ruiva autêntica nascida em 1960 na Carolina do Norte como Julie Anne Smith tem uma belíssima estrada percorrida no mundo cinematográfico. Pelo menos uma meia dúzia de filmes de sua carreira é memorável, e sua presença neles é um dos fatores determinantes para essa constatação. Moore é o tipo de atriz que encarna personagens muito distintos sem recorrer tanto a mudanças de visual. Seus já citados fios ruivos já serviram a muitas mulheres às quais deu vida nas telas e, embora a lista apresentada abaixo contenha menos papéis nos quais ela manteve esse visual, Moore ruiva é sempre a melhor pedida.

Como qualquer ser humano, ela também erra de vez em quando na carreira, tendo atuado em uns títulos de gosto duvidoso - eu mesmo passei longe de alguns, mas sinto que não resultaram em algo bom. Quem pode defender, por exemplo, bobagens como Evolução (Evolution, 2001) e Os esquecidos (The forgotten, 2004)? Falhas à parte, vamos nos concentrar no que ela tem de melhor na carreira, afinal essa é a proposta do Quinteto de Ouro! Moore já foi dirigida por nomes incríveis: só com Robert Altman, trabalhou duas vezes, e nenhuma delas, infelizmente, coube nessa lista. Joel e Ethan Coen a recrutaram para O grande Lebowski (The big Lebowski, 1998), e ela não fez por menos, perfeitamente integrada ao universo nonsense dos irmãos. E já rolaram duas parcerias com Paul Thomas Anderson (discípulo de Altman, por sinal), e uma delas ganhou espaço na minha seleção.

É pena que os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tenham sido tão tardios em reconhecer seu talento com um Oscar, e até mesmo as indicações ainda são parcas. Sua única estatueta veio em 2015 pelo desempenho em Para sempre Alice (Still Alice, 2014), que nem é o seu papel mais extraordinário. Até mesmo em 2003, ano em que foi duplamente indicada - por Longe do paraíso (Far from heaven, 2002) e As horas (The hours, 2002), tiveram a coragem de deixá-la de mãos vazias. Por outro lado, ela é das pouquíssimas intérpretes já premiadas nos três maiores festivais de cinema do mundo: Cannes, Veneza e Berlim. Até aqui, já deve ter ficado claro que Moore é uma das minhas atrizes prediletas. Se não tinha ficado, agora não resta dúvida... Vamos aos meus cinco mais com ela (em ordem cronológica)!

1. Magnólia (1999), de Paul Thomas Anderson


Linda Partridge se casou por interesse, até que um dia a ficha caiu e ela percebeu que a indiferença se transformou em um sentimento de perda devastador. A inevitabilidade da morte de seu marido, idealizador de um célebre e longevo programa televisivo, a perturba e as faz dizer palavras desagradáveis. Mesmo com pouco tempo de cena - o filme passa das três horas de duração e ela não deve aparecer nem quarenta minutos, Moore abocanha a personagem com toda a voracidade, usando uma maquiagem que não encobre tanto suas sardas e ressaltando a natureza perdida de Linda. A tal "liberdade" que está por vir com o falecimento de Earl não é mais do que uma sentença de desespero e, como os demais integrantes desse "filme coral", ela está à procura de um rumo. Levou o Globo de Ouro de atriz coadjuvante pelo papel.

2. Longe do paraíso (2002), de Todd Haynes


Outro cineasta com quem ela já trabalhou mais de uma vez foi Todd Haynes. Até hoje não vi o primeiro encontro do dois, mas duvido de que tire o segundo do posto de minha colaboração preferida entre eles. Na pele de uma dona de casa que tipifica os anos 50, com sua aura idealizada pela qual o próprio cinema leva boa parte da culpa, ela deixou temporariamente a ruivice de lado e exibiu um rosto que realmente parece daquele tempo. Resignada, Cathy Whitaker procura manter a rotina de organizar festas para a alta sociedade enquanto seu mundo particular vai desmoronando. É uma linda homenagem de Haynes ao melodrama, especialmente a Douglas Sirk, de quem muitos cinéfilos sabe que ele é fã declarado. Sua Coppa Volpi de melhor atriz em Veneza foi conquistada por esse esplendoroso trabalho.

3. As horas (2002), de Stephen Daldry


Cada atriz do trio principal desse filme merece ser considerada em listas individuais. No Quinteto de Ouro dedicado a Meryl Streep, As horas estava presente, e quando eu fizer uma homenagem a Nicole Kidman certamente esse filme vai aparecer de novo. É interessante notar que Moore rodou As horas no mesmo ano em que Longe do paraíso e os dois filmes guardam semelhanças, a começar pelo fato de que Laura Brown, assim como Cathy Whitaker, é uma dona de casa da década de 50. Porém, há uma diferença crucial entre ambas: Laura desafia o modelo de sua época e cede ao impulso que a inquieta. Sua postura é influenciada pela leitura de Mrs. Dalloway, que Virginia Woolf escrevia lá nos anos 20 e refletia o fluxo de consciência de uma mulher deslocada. Atuando sobretudo com os olhos - dos mais expressivos do cinema - Moore demonstra imensa empatia com alguém que nos parece tão diferente dela. O júri de Berlim gostou tanto que a premiou.

4. Ensaio sobre a cegueira (2007), de Fernando Meirelles


Podem acusar o segundo produto da carreira internacional de Meirelles de muitas coisas, e várias dessas acusações têm fundamento. Mas não venham me dizer que Julianne Moore está menos do que fantástica na pele da Mulher do Médico. Sua aparência poucas vezes esteve tão vulnerável, e ela carrega consigo o fardo de ser a única capaz de enxergar. "Se podes ver, repara", diz o livro de José Saramago no qual o longa fincou suas bases. E ela repara mais do que gostaria. Testemunha ocular da estupidez humana, a personagem jamais nomeada, como os demais que habitam a narrativa, ela segue caminhando apesar dos pesares, e Moore deixa os sinais do tempo à mostra em sua pele, no rosto cansado e nos cabelos quase sem cor. Brincalhona, ela comentou em entrevista à epoca de lançamento do filme: "Tive sorte porque os outros atores que desempenharam papel de cegos tiveram que trabalhar muito mais que eu!".

5. Mapas para as estrelas (2014), de David Cronenberg


Um encontro e tanto esse de Moore e Cronenberg. Suas carreiras iam muito bem, obrigado, correndo em paralelo, até que se encontraram em um filme incendiário, como um dos cartazes dá conta de mostrar. Sua Havana Segrand é mais uma prova do quanto ela pode transitar por tipos tão opostos sem perder a credibilidade, e foi o trabalho pelo qual levou o prêmio de interpretação feminina em Cannes. Enquanto a Mulher do Médico tem a clareza do que está ao seu redor, Havana só tem olhos para si mesma, chegando ao cúmulo de pular de entusiasmo diante da notícia da morte de um concorrente ao papel que estava disputando. Escrachada, é capaz de dizer as palavras mais horríveis e expor os conceitos mais abjetos como se estivesse dando a receita de um bolo, resultando em uma das personagens mais atraentes de sua carreira. Encontrar alguém como ela na vida real é péssimo, mas na cena dramática Havana é uma piscina cheia na qual Moore nada de braçada.

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