O ciúme e a eterna lida com as incongruências a dois

A infelicidade dos amantes, constante de Philippe Garrel, é reafirmada em O ciúme (La jalousie, 2013), em que condensa ao longo de pouco mais de uma hora a discussão que permeia sua filmografia, inaugurada nos idos dos anos 60. O realizador não demonstra ter estado preocupado em ser original, mas em repisar um terreno velho conhecido seu através da história de Louis (Louis Garrel, seu filho e ator fetiche), um ator teatral que deixa a esposa logo no começo da narrativa. A partir de então, divide com a ex-mulher os cuidados com a filha (Olga Milshtein), criança de notável inteligência e que, por isso mesmo, parece compreender bem que os pais ficam melhores separados. Como também é habitual nos enredos de Garrel pai, o protagonista não passa muito tempo sozinho, tendo outro alguém para aconchegar em seus braços. 

O novo relacionamento se estabelece com Claudia (Anna Mouglalis), por quem deixou a esposa, já que ela tinha decidido aceitar o apartamento que seu amante lhe oferecera. Por esses breves detalhes, fica evidente que o sentimento do título permeia as ações de todos os personagens, e evoca outros títulos dirigidos por Garrel pai ao longo de uma carreira tão longeva. O “monstro de olhos verdes” de que falava Shakespeare é um fantasma intermitente, pairando sobre a fotografia destituída de uma paleta colorida e assinada por Willy Kurant, com quem o cineasta volta a trabalhar depois de Um verão escaldante (Um été brûlant, 2011). Assim, quase como um personagem corporificado, ele responde por vários dos rompantes que acometem Louis e suas mulheres. “Estamos todos singrando em mar encapelado quando se trata de amor”, parece dizer o roteiro escrito a oito mãos.


O fator da curta duração, combinado a um dos planos de abertura, faz de O ciúme um retrato íntimo das dores amorosas. A tal sequência é um olhar pelo buraco da fechadura, e os olhos que espiam são de Charlotte, a menina colocada no centro das tensões pater x mater, por assim dizer. É o testemunho ocular de que algo degringolou, de que as peças não mais se encaixam: Louis discute com a então esposa e não faz mais sentido uma vida em comum. Tal contexto, explorado tantas vezes por todas as sete artes, ainda fornece matéria-prima para refletir sobre as incongruências da vida a dois, e Garrel pai demonstra falar sobre elas como quem percorreu um longo caminho de vivências, o que não significa ter todas as respostas prontas. Muito pelo contrário. O convite do diretor, figura carimbada no Festival de Veneza, de onde já saiu com o Leão de Prata e o Prêmio do Júri, é para colocar a mão na massa e flagrar o processo, não o/um produto acabado e bem resolvido. A bem da verdade, seu cinema é o de quem tenta exorcizar fantasmas.

Em sua busca por respostas – ou, ao menos, sugestões e conselhos -, os protagonistas de Garrel pai recorrem aos anciãos, e não é diferente com Louis. Em diálogo com um interlocutor bem mais velho, ouve frases desconfortáveis, como a que expressa o lamento por ter sido ajudado por outras pessoas nas duas vezes em que esteve muito perto de morrer. A vida é dura, sentencia o cineasta, cuja obra encontra parentesco nas produções de Valerio Zurlini, e a ambos cabem a antonomásia de Poeta do Tédio e da Melancolia. Acompanhamos homens e mulheres de raros sorrisos, de olhar meditativo e poucas ações, de insegurança e exasperação. A certa altura, Claudia revela o quanto está sufocada no pequeno apartamento em que vive com Louis, dando-lhe um ultimato. Mantendo sua postura estoica, o ator devolve a bola à mulher e a indaga sobre o que ela quer que ele faça, não obtendo uma resposta exata. É justamente da inexatidão que sobrevivem os filmes de Philippe Garrel.

8/10

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