Dores do crescimento em Estamos bem mesmo sem você


O cinema italiano recente oferece aos seus espectadores uma pequena pérola chamada Estamos bem mesmo sem você (Anche libero va bene, 2006). Com sensibilidade e destreza, essa é a estreia de Kim Rossi Stuart na direção, depois de alguns trabalhos como ator. Trata-se de mais uma feliz incursão atrás das câmeras, da qual também são representantes Goerge Clooney e Sean Penn.
No centro da trama do filme de Stuart estão o próprio ator, que dá vida ao protagonista Renato, e dois jovens atores, que fazem seus filhos. Os três vivem juntos num modesto apartamento em um subúrbio italiano, desde que a esposa de Renato o abandonou com o casal de filhos à própria sorte. Mesmo a duras penas, parece que eles conseguiram sobreviver à partida dela.
A fim de impor respeito sobre os filhos, entretanto, Renato foi se transformando em um homem austero e dominador, que exige que o filho pratique natação, esporte do qual o garoto não gosta nem um pouco, e que pratica apenas para agradar ao pai. Na verdade, seu sonho é ser um bom jogador de futebol, ambição que é obrigado a tolher.
Toda a frágil harmonia entre o trio é quebrada quando Stefania, a mãe desnaturada, retorna em busca de reconciliação com os filhos e o marido. É a partir daí que as antigas feridas familiares emergem com veemência, despertando diferentes reações em cada um deles. O menino parece mais aberto à volta da mãe, embora seja a garota quem demonstre mais sua vontade de que o pai a perdoe. Está formado o clímax de uma história cuja sinopse, contade de forma rasteira, pode dar a impressão ilusória de que é mais um filme comum e descartável sobre a fragilidade das relações familiares. Mas, como já se disse, essa impressão é ilusória, já que Stuart conduz o filme com notável brilhantismo, seguindo veredas da sinceridade e arrancando atuações emocionantes dos jovens atores que interpretam seus filhos. Numa cena específica, em que Renato insiste com Tommaso para que ele vá para mais uma aula de natação, e o menino reluta, Renato demonstra sua intransigência com o filho, o que acaba fazendo-o chorar. Ainda inflexível, o pai consegue convencer o garoto a entrar para a aula.

Renato precisa, ainda, lidar com o despertar da sexualidade da filha, que começa a se corresponder pela internet com um namorado virtual, e em dados momentos do filme parece manter uma relação algo incestuosa com o irmão,através de algumas brincadeiras, que acaba ficando apenas na superfície. O cenário encontrado por Stefania não é dos mais estáveis, pois, além disso tudo, existe a amargura de Renato, que não suporta a ideia de ter novamente sob o mesmo teto que ele a mulher que lhe causou tanto mal. Pelos filhos, todavia, ele pode ser capaz de fazer concessões, mas tem certeza de que ela os deixará novamente sem aviso prévio.
Com todos esses elementos presentes no enredo, o diretor poderia fazer com que o filme se transformasse num dramalhão pesado, mas não é o que acontece. A tênue linha que separa um drama honesto de uma trama chorosa jamais é ultrapassada, e o enredo também se calca em um realismo que torna tudo bastante verossímil e geradora de identificação. Contar como se processa o desfecho desse pequeno conto moral sobre as rachaduras causadas pelo abandono é entregar de bandeja um filme que deve ser saboreado em suas minúcias, tal qual como foi concebido. Nem sempre é preciso que o extraordinário aconteça para que a vida gire, é o que Stuart demonstra o tempo todo.
Um detalhe é que o roteiro foi escrito a oito mãos, mas, mesmo assim, não se flagram sinais de desarmonia entre os responsáveis por dar vida a um filme tão rico e sentimental, no sentido mais positivo da palavra. É uma pena que tenha passado despercebido para a maioria do público, que deve buscar assistir a esta joia sobre as dores e as dificuldades de se crescer. Nas entrelinhas de Estamos bem mesmo sem você, está a reafirmação de uma máxima: Viver e crescer doem muito, mas ainda valem a pena.

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