QUINTETO DE OURO - DENZEL WASHINGTON

Ainda foram poucos os atores homenageados com um Quinteto de Ouro aqui pelo blog, e para ajudar a diminuir essa injustiça, selecionei um dos meus queridos dos últimos anos para apresentar o que prefiro dentro de sua filmografia. Nascido Denzel Hayes Washington há 63 anos em Mont Vernon, meu escolhido do mês acumula mais de 40 filmes em sua carreira, e em 3 deles também assinou a direção. Seu prenome foi dado como forma de reconhecimento pelo trabalho do médico que o trouxe ao mundo, e seus pais eram um pastor protestante e uma esteticista. Denzel, aliás, fala abertamente sobre sua fé e aconselha seu público baseado nela, um dos pouquíssimos em Hollywood a adotar essa postura. 

Sua entrada para o mundo da atuação não era algo previsto inicialmente: ele entrou na universidade para cursar Jornalismo, mais logo foi para o Teatro, e então começou sua carreira de ator. A estreia no cinema veio com A história de um soldado (A soldier's story, 1984), então aos 30 anos e em sua primeira parceria com Norman Jewinson, com quem voltaria a se encontrar em Hurricane - O furacão (Hurricane, 1999), pelo qual recebeu uma das suas 8 indicações ao Oscar e uma das 9 ao Globo de Ouro. A Academia costuma lhe fazer justiça, aliás, embora também já tenham deixado passar alguns papéis. Duas vezes premiado com o Oscar - uma delas incluída na minha seleção -  e duplamente vencedor no Festival de Berlim, ele demonstra não se importar com tais questões. Basta ver seu jeito desconfortável ao ser anunciado nessas cerimônias e mesmo ainda quando vence, tal como aconteceu na edição 2017 do prêmio do Sindicato dos Atores de Hollywood. Muitos hoje o apontam como um sucessor legítimo de Sidney Poitier, que inclusive levou o Oscar honorário no mesmo ano em que ele foi premiado pela segunda vez por uma atuação.

Uma ressalva importante sobre o quinteto escolhido: até o momento, visitei a filmografia de Denzel dos anos 2000 para cá, com exceção de O colecionador de ossos (The bone collector, 1999), mas que não é bom o suficiente para estar aqui. A dívida com o que ele fez entre os anos 80 e 90 vai ser paga com o tempo, e por enquanto ofereço esse recorte dentro de sua carreira, e nesse arco de tempo ele tem filmes que realmente valem a pena. E no fim das contas todas as listas ficam sempre sujeitas a revisões de integrantes e ordens - não vai ser essa que conseguirá escapar dessa sina. Falando em ordem, a escolhida para listar os filmes aqui foi a cronológica. Vamos ao que de melhor o carismático Denzel tem para mim até o momento.

1. Dia de treinamento (Training day, 2001)


Um dos filmes mais citados de sua carreira, Dia de treinamento é também o primeiro de seus três encontros com o realizador Antoine Fuqua, e o mais bem-sucedido deles. Na pele de Alonzo Harris, ele desnuda a corrupção que habita a Divisão de Narcóticos, levantando o questionamento: lei para quem? No seu caso, a lei é a que ele faz e a que lhe convém, e essa é a péssima lição que ele quer transmitir a Jake Hyot (Ethan Hawke), policial com uma vida pessoal tumultuada que precisa decidir até onde vai sua capacidade de servir e proteger os cidadãos. Alonzo é daqueles personagens amorais, que precisa de um ator tarimbado para lhe conferir as nuances, e Denzel é uma excelente escolha. Apesar da pinta de bom moço, ele sempre consegue ser convincente como sujeitos transgressores e perigosos, e aqui mostra bem as facetas de um homem que só mantém o compromisso consigo mesmo. O papel lhe valeu a segunda estatueta do Oscar, depois de um jejum de de 12 anos. Curioso notar a empolgação de Julia Roberts ao anunciar sua vitória na cerimônia: antes de pronunciar seu nome, ela soltou um "Eu amo minha vida!" e, com seu largo sorriso, declarou que o Oscar ia para ele. Pelo visto, ficou uma amizade depois que eles contracenaram em O dossiê pelicano (The pelican brief, 1993).

2. Um ato de coragem (John Q, 2002)


Um ano depois, sai o cinismo deslavado, entra a paternidade obstinada. Porque ator bom é assim: consegue transitar por personalidades diferentes sem perder a credibilidade. Aqui, seu personagem título é um pai levado ao limite pelo complicado e cruel sistema de saúde estadunidense. Seu filho precisa de um transplante de coração, já que o seu se encontra aumentado, mas logo descobre que o plano de saúde pelo qual paga não cobre tal procedimento, e o pior é testemunhar o descaso do plano e do hospital com a situação - muitos justificam o fato de eles verem situações iguais ou parecidas o tempo todo, mas o senso de humanidade não deve se esvair mesmo nas piores rotinas. O que fazer nesse cenário? O tal ato de coragem do título nacional é fazer as pessoas presentes no hospital no momento de reféns, para liberá-los somente com a garantia de que o transplante vai ser realizado. Daí em diante a narrativa se mantém tensa e Denzel estampa a agonia de um pai que agiu por impulso e vai enfrentar as consequências, mas que também desperta um forte sentimento de identificação.

3. Chamas da vingança (Man on fire, 2004)


Além de Jewinson e Fuqua, Denzel também repetiu parcerias com Tony Scott. Aliás, foi o diretor com quem ele trabalhou mais vezes, totalizando cinco longas, dos quais o melhor é Chamas da vingança, com ação para ninguém reclamar, efeito alcançado em boa parte pela estética de videoclipe adotada por Scott. Ex-agente da CIA, seu John Creasy dribla a depressão e entra de novo em atividade para descobrir o paradeiro da filha de um poderoso empresário. Até então, ele era guarda-costas da menina e tinha desenvolvido uma relação terna com ela, mas seu lado furioso vem à tona a partir do sumiço da menina, situação que o leva à fronteira dos Estados Unidos com o México para comprar briga com imperadores do pó branco inalante. Sob a direção de Scott - hoje uma ausência sentida -, ele exala sua fome de justiça, mesmo que para isso também precise se desencaminhar dos trilhos originais dela, levando consigo o espectador para um mundo lúgubre onde compaixão é palavra riscada do vocabulário. Quase não há momentos de respiração livre, e John precisa ser menos palavra e mais pancada. Então uma criança, Dakota Fanning é uma parceira de cena com a qual Denzel alcança ótima química.

4. O voo (Flight, 2012)


Mais um filme a render indicação ao Oscar de melhor para Denzel, fato que interrompeu um hiato de 11 anos sem estar entre os cinco preferidos da Academia, O voo é teste de resistência para acrofóbicos em parte de sua primeira metade. Aqui ele interpreta Whip Whitaker, cujos problemas derivam diretamente do alcoolismo - o que, obviamente, já é um problema em si. Com sua experiência acumulada por anos trabalhando como piloto, ele consegue salvar tripulação e passageiros de uma tragédia iminente, e uma de suas manobras é tremendamente vertiginosa. O grande x da questão é que, durante a "performance" que o levou ao ato heroico, ele estava sob efeito de álcool e cocaína, situação inaceitável sob qualquer prisma, mas nos parâmetros da lei a situação é dúvida até que se prove sua autenticidade, e o roteiro trata de dedicar um bom tempo à investigação e abrir para o público um pouco mais da vida daquele homem de motivação combalida. É verdade que o filme tem uma barriga de uns 20 minutos e traz algumas obviedades na caminhada do protagonista, mas Denzel segura bem o papel e dá humanidade a Whip em cada cena.

5. Um limite entre nós (Fences, 2016)


Outro hiato foi quebrado aqui. Depois de 9 anos sem dirigir, ele decidiu levar para as telas um texto de August Wilson, que já havia encenado no teatro e pelo qual foi laureado com o Tony, premiação máxima da área nos EUA. Junto com Viola Davis, sua parceira de cena também nos palcos, ele vive um enredo em que a palavra assume a primazia, sobretudo no primeiro terço, quando a saraivada de diálogos quase impede o movimento das pálpebras para quem acompanha o filme em versão legendada. Seu Troy Maxon tem camadas que vão se revelando aos poucos, num trabalho de composição admirável que leva a audiência a oscilar sua perspectiva e seus sentimentos quanto a ele quase a cada nova cena. Pai extremoso e desastrado em seus afetos, marido relapso e também cheio de amor, o personagem é bem próximo do real, e tal detalhe também é um traço incômodo: se você não é um Troy, provavelmente conhece algum. Sua atuação foi a primeira a ser vitoriosa com o prêmio do SAG, desbancando o favorito da noite, Casey Affleck, num caso bem-vindo de surpresa.

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