QUINTETO DE OURO - MERYL STREEP

Tragam uma Meryl Streep para esse Oscar! Qualquer espectador de cinema que se preze - veja bem, não precisa ser cinéfilo - já esbarrou em algum filme com ela. A homenageada desse mês tem é bagagem nas costas, e às vezes parece encarnar uma personagem com o pé nas costas; não no sentido de interpretá-la relaxadamente, mas no de ter uma facilidade incrível de ser outra e outras. Sinônimo de qualidade de atuação, ela não deixa a desejar mesmo em filmes meia boca, já soma 19 indicações ao prêmio da Academia, das quais saiu como vencedora apenas 3 vezes, e nem foram por seus melhores trabalhos. Como de hábito, minha seleção vem em ordem cronológica, nada de ordem de preferência. 

Aliás, nenhum deles está entre meus eleitos para formar o quinteto de ouro de Meryl Streep. E vencer premiações de associações ou festivais é com ela mesma: a mulher já levou Bafta, Globo de Ouro, Emmy, Cannes, Berlim, San Sebastián... Pode não ser uma unanimidade, mas já provou inúmeras vezes que entende do riscado. Nascida Mary Louise há 67 anos, ela já entrou para o panteão de grandes atrizes há tempos, e não há mais porque sair de lá. Simplesmente Meryl.

1. As pontes de Madison (1995)


Geralmente loura, Meryl "se escondeu" sob fios pretos para viver Francesca, italiana radicada no interior estadunidense que vê sua aparente estabilidade sentimental mostrar a verdadeira cara quando da visita de um fotógrafo grisalho em busca de cliques para uma nova reportagem. O cenário bucólico, por si só, inspira paixão, mas, à medida que os encontros se tornam mais frequentes e as conversas, mais longas, Francesca vai mostrando sua vulnerabilidade e sua candura, as quais tenta conter com uma postura defensiva pouco eficaz. No fundo, ela só quer amar, e isso não é só "coisa de mulher", afinal. É uma mulher vista em seu passado, com cada atitude e pensamento registrado em um diário íntimo: ali está sua alma.

2. As horas (2002)


"Mrs. Dalloway disse que ela mesma compraria as flores." A frase que abre o romance de Virginia Woolf reverbera no cotidiano de Clarissa Vaughan. Ela vive a história narrada no livro que está lendo, e o único dia seu flagrado pela narrativa é uma montanha-russa de sentimentos e encontros que despertam reflexões. Se a Clarissa original era uma socialite da Inglaterra dos anos 20, a contemporânea é dona de casa, mas ambas estão envolvidas com os preparativos para uma festa, mero pano de fundo para que emerjam seus demônios interiores. O percurso existencial é penoso e mostra lados que ela se esforça em deixar cobertos, e um diálogo com o velho amigo à beira da morte é o rasgo final do véu de que se vale pelo bem da boa convivência em sociedade.

3. Adaptação (2002)


Peça fundamental em uma trama intrincada que brinca com a metalinguagem cinematográfica e literária, Susan Orlean transita por Adaptação como uma caçadora. Ela escreveu O ladrão de orquídeas, texto que Charlie Kaufman (Nicolas Cage, alter ego do verdadeiro, mas até que ponto?) tem grande dificuldade em verter para a linguagem fílmica. Perguntada sobre com quem gostaria de jantar e ter uma conversa, responde Jesus. É a personagem feminina mais forte do enredo pensado pelo Kaufman exógeno à narrativa e filmado com esmero por Spike Jonze. Meryl ficou muito interessada no papel e não fez por menos com ele nas mãos: é uma das mulheres mais descoladas de sua carreira, com sopros cômicos legítimos em meio à selva dramática na qual se embrenha.

4. O diabo veste Prada (2006)


Quem é capaz de aguentar uma chefe como Miranda Priestly? Seus cabelos brancos platinados à moda vilã da Disney, combinados com o tom de voz impostado, o figurino impecável e o olhar desintegrador a elevam não apenas à condição de diva inatingível, mas também de geradora de memes. Não há como negar que é um dos papéis mais populares de Meryl, uma comprovação de que nem só de filmes mais "artísticos" (um questionamento a esse termo levaria a outro artigo só para isso) se faz sua carreira. Da próxima vez que você quiser reclamar de seu regime de trabalho, por mais legítima que seja sua queixa, coloque-se um pouco no lugar de Andrea Sachs (Anne Hathaway), vulgo Emily: seu dia provavelmente vai ficar um pouco melhor. Mas não se engane: por mais brega que soe, as Mirandas também amam; por trás dos colares, bolsas de grife e saltos matadores, pulsa um coração.

5. Dúvida (2009)


Mais uma prova da especialidade dessa mulher na incorporação de sotaques: dessa vez, ela se apropriou do falar do Bronx, um dos condados do estado de Nova York. A Irmã Aloysius é inimiga figadal de qualquer colega que se desvie minimamente de seu sacerdócio, e basta uma leve suspeita para que ela trave uma cruzada contra o Padre Flynn (o saudoso Philip Seymour Hoffman), a quem acredita ter visto em ato libidinoso com um garoto. Se a base moral para sua campanha esmagadora é válida, o abandono do princípio da incerteza a torna uma locomotiva sem freio, e os diálogos arrepiantes entre ela e Flynn mostram a potência de um texto bem escrito, em que a visceralidade e o realismo comparecem com peso equiparado. 

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