O calor do amor em Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios


Ostentando um título comprido e pleno de poesia, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (idem, 2011) é um dos trabalhos recentes do celebrado Beto Brant, aqui associado a Renato Ciasca na direção. Para quem não está ligado o primeiro nome à sua obra, ele é responsável por uma quantidade relativamente grande de filmes, entre os quais os mais conhecidos são O invasor (idem, 2001) e Crime delicado (idem, 2005), que também estão entre suas produções de maior alcance ao público. Ele ainda assinou a direção de histórias mais herméticas e alternativas, como O amor segundo B. Schianberg (idem, 2009), que quase ninguém viu. No longa citado inicialmente, Brant coloca Gustavo Machado e Camila Pitanga em estado de sofreguidão e incendeia seus corpos em evidência com traços de romance, dialogando com certa facilidade com a plateia por conta da universalidade do tema abordado.

Cauby (Machado) e Lavínia (Pitanga) são ao vértices principais de um triângulo amoroso na selva amazônica, que se completa por Ernani (Zé Carlos Machado), o marido dela. Cauby é um fotógrafo. Ela, uma mulher bonita e instável na mesma intensidade. Ernani, um pastor cujo discurso traz elementos persuasivos e verdadeiros. Assim se forma a proposta do diretor: apresentar, por meio de cada personagem, o olhar, o corpo e a palavra, entrelaçando os três de modo sutil e irremediável. Com isso, obteve um hibridismo de sofisticação com simplicidade que responde acima de qualquer coisa pela qualidade de seu filme. Este é um filme sobre as armadilhas da vontade, e sobre a impossibilidade de escolher as consequências dos atos praticados. O enredo quase banal serve de força motriz para a discussão desses tópicos, associado a uma fotografia ímpar que corrobora o tempo todo o olhar aguçado de Cauby e hipnotiza o espectador para a beleza de Lavínia, assim como acontece com o protagonista.

A propósito de Camila Pitanga, a sua interpretação é o maior de todos os trunfos do filme. Na pele de Lavínia, a atriz demonstra uma entrega vulcânica a uma personagem que tem três momentos muito bem demarcados, como se o longa, por conta dela, pudesse apresentar três atos bem distintos. Preste atenção em cada uma de suas fases. Em todas elas, Pitanga impressiona, e exibe o corpo e a alma a serviço de um papel denso e pungente, indo muito além do que já apresentou nas novelas em cujo elenco figurou até hoje. O delírio e a excitação pela vida caminham emparelhados na vida de Lavínia, e é a combinação entre esses dois polos que delimitam (ou tira os limites) dos seus passos, e mantém sua trajetória em constante afastamento e conjunção com a de Cauby. Lavínia é a expressão da desorientação, e alucina o amante com a mesma facilidade que um objeto desejado atiça o desejo de quem sonha com ele. Em Cauby, ela vê a completude do êxtase erótico, ao passo que em Ernani representa o conforto e o consolo das palavras de vida que anuncia e oferece a ela. Caminhante por esses vértices destoantes, a personagem parece incapaz de se decidir.



O filme foi um dos longas selecionados para a mostra competitiva do Festival do Rio em 2011, porém foi contemplado tão-somente com o prêmio de atriz para Pitanga. Foi um reconhecimento justíssimo ao seu trabalho notável, mas o filme poderia também ter recebido tranquilamente os prêmios de direção – em dupla, vale lembrar -, roteiro, montagem e fotografia, de longe as qualidades mais notáveis enxergadas nos filme, depois de Pitanga, obviamente. No Festival de Huelva, na Espanha, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios foi laureado com o prêmio de melhor filme, o que também se revelou uma vitória digna. É como se Brant e Ciasca tivessem obtido uma bela alquimia entre sensualidade, amor, desejo, medo, poesia e loucura ao longo dos 100 minutos do filme, cujo transcorrer é totalmente fluido e orgânico. O filme trata dos excessos do coração e da razão, mas não é excessivo. Cada cena e cada diálogo afirma a sua validade e a sua importância de estar presente ali.

Marçal Aquino é o autor do romance no qual o filme foi baseado. No início da obra literária, Cauby narra as desventuras de se viver no submundo enquanto está convalescendo no interior paraense. O submundo é uma referência indireta a Lavínia, cuja beleza portentosa é a razão de seu afeto, seu amor e sua obsessão lasciva. É por causa dela que o fotógrafo aprendeu as regras da atração da forma mais hiperbólica possível. No livro, os fatos são narrados em flashback, em sua maioria, e ajudam a compor um quadro de tragédia na história do trio, que se verifica também no filme. Há espaço, inclusive, para o desempenho admirável de Gero Camilo como o melhor amigo de Cauby e um escândalo envolvendo pedofilia. Não é a primeira nem a segunda vez que Brant se apropria de uma obra de Aquino para levar às telas. Seus dois filmes mais famosos, citados no início desta crítica, também são adaptações de romances do autor paulista. Outro que recentemente usou uma obra sua como fonte foi Marco Ricca, estreando na direção com Cabeça a prêmio (idem, 2010), este de recepção morna entre público e crítica. No caso do filme de Brant e Ciasca, as imagens de tom poético e agoniante que se seguem diante do nosso olhar são, em última instância, a beleza transfigurada.

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