Pele de asno, um deleite para olhos ávidos de beleza
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Como é habitual em histórias do gênero, a premissa se expõe e se esgota em poucos momentos, o que rende um filme enxuto, que condensa emoções em poucos metros quadrados, por assim dizer. Jamais nomeados, os personagens são habitantes de um reino fantástico, onde a felicidade estava garantida até o dia em que a rainha (Catherine Deneuve) adoece e, pouco tempo depois, morre. Porém, ela ainda consegue fazer o rei (Jean Marais) prometer que só vai se casar novamente se encontrar uma mulher que a supere em beleza, o que ele concorda em fazer depois de uma certa insistência dela. Mas quem poderia ser mais bela do que uma rainha interpretada por Catherine Deneuve? O próprio Demy tinha consciência da dificuldade em achar uma mulher mais bela, e escalou a mesma Catherine Deneuve para dar vida à princesa, a única que poderia satisfazer a condição imposta pela rainha para o casamento.
É a partir da decisão do rei em casar com a própria filha que começam os delírios de Pele de asno. Resistente à ideia, a jovem quer dizer não ao pai, mas uma atitude dessas era lida à época como uma afronta. Então, entra em cena a fada madrinha (Delphine Seyrig, de Ano passado em Marienbad [L'année dernière à Marienbad, 1961]), que dá algumas sugestões para fazer a princesa ganhar tempo. A jovem começa a impor condições para se casar, que se traduzem em vestidos com detalhes raros, muito difíceis de serem confeccionados. Ela pede um vestido brilhante como o luar, outro ofuscante como a luz do sol e vai se surpreendendo a cada vez que o rei consegue atender os pedidos. Sua única solução passa a ser a fuga, e ela desaparece do castelo, indo se refugiar na floresta, para onde vai coberta com a pele do asno cujas fezes eram moedas e de ouro e que foi morto para satisfazer a uma das exigências da princesa. Em outras versões do conto, os ouros saíam das lágrimas do animal. Uma vez longe de seu futuro reino, começa a viver como uma plebeia, e sua beleza se esconde sob a tal pele.
Mas a história mostra que a verdadeira beleza não se pode esconder por muito tempo e, um belo dia, um príncipe (Jacques Perrin) a vê pela fresta do casebre em que ela está morando, e se encanta instantaneamente com o que seus olhos mostram. O flagrante é dado quando a princesa está usando um dos seus vestidos, já que estava sozinha e poderia aproveitá-los. O que se poderia esperar daí em diante? Naturalmente, ele se torna irremediavelmente apaixonado, como bem cabe a um conto de fadas. No que tange ao enredo, Pele de asno, portanto, não traz nada de realmente surpreendente em seu desenvolvimento. Mas o que pode conquistar o espectador não é a trama em si, mas os elementos conjugados que respondem pelo seu encanto. Demy demonstra uma capacidade incrível de envolver com sua atmosfera sempre onírica e estonteante, sintetizada na figura belíssima de Deneuve, que selava aqui sua terceira parceria com o cineasta, que havia gerado os igualmente maravilhosos Os guarda-chuvas do amor (Les parapluies de l'amour, 1964) e Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort, 1967).
Para além de todo o talento de Demy impresso sobre a narrativa, há um clara intertextualidade com outros contos de fadas, especialmente o de Cinderela. Se neste o coração do príncipe seria da jovem cujos pés se encaixassem no sapato que estava com ele, em Pele de asno, somente a garota que tivesse o dedo no tamanho exato do anel deixado com o príncipe seria a sua eleita - e candidatas sem a menor chance não faltaram. É o típico enredo cheio de nós, que vão sendo desfeitos aos poucos e vão pavimentando o caminho da felicidade para um casal que é pura virtude. Tal modelo até pode ser acusado de anacronismo, mas ainda encontra eco em nossos dias e segue como base para muitos folhetins televisivos. E o público a que se destina a fantasia de Demy não necessariamente se restringe a mocinhas suspirantes, mas a qualquer entusiasta de uma história bem contada e atravessada pela magia da imagem, a grande peculiaridade com que se faz Cinema, afinal.
8/10
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