A rede social, um retrato contundente de uma geração e suas carências

Em uma geração cujos contatos interpessoais de corpo presente estão em poços entulhados, um filme como A rede social (The social network, 2010) vem a calhar. O recente exemplar de direção de David Fincher é mais uma de suas obras autorais, que percorre caminhos menos óbvios para traçar um painel algo afetivo e pungente da criação de uma das ferramentas de comunicação mais possantes da atualidade, o Facebook (livro das faces, em bom português, vale lembrar). Sem recorrer a didatismos e afeito a certas estripulias narrativas, sobretudo com o auxílio de uma montagem frenética, o realizador nascido em Denver comprova seu talento de contador de histórias. É bem verdade que há certas gorduras que flutuam no resultado final da obra, tornando exagerados certos discursos que lhe são incensadores. Ainda assim, sobrepuja a inventividade e a certeza de que, por trás de qualquer relacionamento humano, existe um componente de vileza de uma ou ambas as partes.



Os acertos de A rede social incluem a interpretação vigorosa de Jesse Eisenberg a cada sequência. O rapaz vem se mostrando um ator tarimbado há certo tempo, mas o auge de sua maturidade talvez esteja, até agora, demonstrado nesse filme. Seus trabalhos anteriores incluem filmes de gêneros diversos, como o drama cômico A lula e a baleia (The squid and the whale, 2004) e o terror adolescente Amaldiçoados (Cursed, 2005), que ajudaram, de alguma maneira, a calçar seu terreno com experiências, até que chegasse ao papel do controverso Mark Zuckerberg, o idealizador da tal rede dos títulos original e em português. É sempre um risco viver alguém que ainda está vivo, e é sabido por muitos que a composição do ator e a condução de Fincher para o filme desagradaram o verdadeiro Zuckerberg. Independentemente da fidelidade do longa-metragem à realidade, ele vale como crônica de uma geração cada vez mais virtualizada, cujos contatos são mediados por cliques e páginas frias de telas de computador. Nesse sentido, A rede social é bastante eficiente, assim como quando se apresenta como um dossiê sobre as pequenas maldades e egoísmos de que o ser humano é capaz, ainda que nunca empolgue totalmente seu público.

Ladeando Eisenberg, estão os igualmente talentosos Andrew Garfield e Justin Timberlake, que dão vida a pessoas importantes na trajetória do protagonista, cada um a seu tempo. Garfield é Eduardo Saverin, o amigo brasileiro de Mark, a quem ele se une para criar a tal ferramenta de comunicação virtual que revoluciona a internet. Tudo começa em uma noite de outono de 2003, em que os dois amigos, sem muita sorte no campo amoroso – especialmente Mark, que acaba de terminar um namoro – começam a pensar em uma nova ideia. Inicialmente sozinho na empreitada, Mark logo ganha a adesão de Eduardo, e os dois vislumbram um futuro de grandes rendimentos financeiros. Entretanto, o começo da proposta é muito mais uma compilação de imagens da vida alheia, que, a posteriori, evolui para um negócio lucrativo, que culminaria na condição de jovem bilionário de seu criador. Em meio a essa jornada de poucos anos, Fincher nos leva a espionar os bastidores de relações que são como caldeirões prestes a entornar seus conteúdos ferventes. A decisão de Mark de ficar com os louros de sua invenção, desprezando Eduardo como co-criador, desencadeia um processo contra o rapaz, que se dirige às audiências como quem está indo tomar café da manhã. Nas sessões, ele também destila sua verve cáustica e seu humor ferino, contribuindo para a consolidação de sua imagem de intratável.



Além da presença comentada de Garfield, há que se destacar o ótimo desempenho de Timberlake como Sean Parker, o parceiro que Mark encontra para fazer deslizar sua ambição crescente. O cantor pop vem demonstrando um crescimento notável de sua porção ator, e consegue imprimir vitalidade e relevância ao seu papel, afastando as associações óbvias com sua carreira musical e permitindo que seja reconhecido como capaz nas duas áreas. Sua dobradinha com Eisenberg evidencia um perfeito entrosamento em cena, e deixam entrever que seus dois personagens nasceram um para o outro se se considera a forte carga de ganância que corre em suas veias. Para além de qualquer maniqueísmo, entretanto, o roteiro, baseado no livro Bilionários por acaso, de Ben Mezrich, afrouxa as amarras de uma concepção esquemática e também apresenta um lado mais humano do protagonista. Esse é um outro grande acerto de A rede social, que ajudou a confirmar o prestígio de Fincher como realizador, redobrado a cada nova produção que lança. Tem sido assim desde Seven – Os sete crimes capitais (Seven, 1995), passando por Clube da luta (Fight club, 1999) até chegar ao recente O curioso caso de Benjamin Button (The curious case of Benjamin Button, 2008), que dividiu público e crítica.

O orçamento do filme é irrisório se comparado ao de outras grandes produções, mas seu apelo comercial fez dele um grande sucesso, e garantiu a vitória na categoria de melhor filme dramático no Globo de Ouro de 2011. No Oscar, todavia, perdeu força diante da concorrência com outro nove títulos, perdendo diretamente para o convencional até a medula O discurso do rei (The king’s speech, 2010). No páreo, também estavam filmes com uma lógica toda especial, como A origem (Inception, 2010) e Minhas mães e meu pai (The kids are all right, 2010), todos preteridos em favor da mediocridade (no sentido primeiro de “qualidade do que está na média”) proporcionada por Tom Hooper. Seja como for, as premiações não são as únicas fontes balizadoras de qualidade, e A rede social se afirma em diversas passagens como uma dolorida ótica para uma sociedade atravessada por jargões tecnológicos, que aprendeu a viver enclausurada, tão perto e tão longe de amigos e estranhos, em um mundo cuja ciência se multiplica a cada instante, corroborando a passagem bíblica de Daniel 12.4, que se aplica tanto aos avanços científicos quanto à explosão do conhecimento em todas as áreas e por todas as pessoas.

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