Fonte da vida e o mergulho nos pensamentos limitados pela ação


Celebrado por sua capacidade inventiva e seu jeito todo particular de provocar, Darren Aronofsky acrescentou mais um exemplar de vulto à sua filmografia. Fonte da vida (The fountain, 2006), definido pela crítica como uma ribalta para dois atores devotados traz a assinatura de um diretor a quem são caros os tipos que se encontram em algum situação de desespero assinalado pela limitação. Espalhando seu campo narrativo para três épocas distintas que se alternam, ele testa seu domínio da técnica cinematográfica para colocar Hugh Jackman e Rachel Weisz em uma história de eterna busca pela suplantação daquilo que não se pode transpor: a própria morte. Com esse tema espinhoso nas mãos, Aronofsky construiu uma obra ousada, que pode, seguramente, ser encampada por aquele clássico chavão “ame-a ou deixe-a”. A película exala beleza e sofreguidão a cada fotograma, e pode ser acusada de muitos “crimes”, menos o de deixar a indiferença. O que não é, entretanto, um atestado irrefutável de qualidade.

O fato é que o diretor fez de seu Fonte da vida uma espécie de quadro tríptico, em que apresenta, com pinceladas vigorosas, o lento processo de tomada de consciência da irremediabilidade de um fato que é vindouro a todos. Um dos jogos de ideias mais simples da filosofia diz: Todo homem é mortal; João é homem; logo, João é mortal. Talvez essa seja a grande angústia de todo ser humano: a consciência de sua finitude, e a consequente impossibilidade de alterá-la ou anulá-la. O personagem (ou os personagens) de Hugh Jackman demonstra ter essa certeza, mas não está disposto a lidar com ela passivamente. E, no intento de burlar o inevitável, ele parte em busca de longas jornadas. Seu grande impulso vem da mulher (Weisz), que está com a saúde debilitada por uma doença terminal. Ele acredita piamente nas chances de cura da esposa, e quer encontrar o meio pelo qual esse fato possa se concretizar. Nessa intensa procura pelo tal meio de cura, surge a tripartição do enredo pensado pelo diretor com base em uma história também sua e de Ari Handel. Jackman assume para si três personas diversas que, no fundo, podem ser lidas como a mesma o tempo todo.

Até mesmo os nomes dos personagens são fonética e grafematicamente semelhantes. Tomas é um navegador da Espanha do século XVI. Tommy é um pesquisador dos dias contemporâneos. Tom é um astronauta do século XXVI. Este último pertence ao fragmento de história que unirá os dois anteriores, e arremata o poema sobre a finitude talhado com mãos de artesão pelo diretor, reconhecidamente talentoso. A grande potência de Fonte da vida está no caráter universal de sua obra, que pode ser lida com facilidade por qualquer nação, independentemente de localização geográfica ou língua. A maneira como o diretor desenvolveu sua premissa, no entanto, é a grande fonte da divisão de opiniões a respeito do filme. De fato, há muita beleza nas imagens captadas pelas suas lentes, mas também há um certo marasmo em algumas idas e vindas do roteiro, que transmitem uma incômoda sensação de confusão e cansaço, diluindo parte do fôlego e da intensidade dramática de uma narrativa que tinha tudo para ser sempre deslumbrante.



Afora o detalhe das passagens algo confusas, o filme se revela um grande exercício de observação e reflexão sobre a necessidade que todo homem tem de acreditar que, revestido da imortalidade, seus problemas possam ser solucionados. Essa crença é apresentada por uma série de simbologias e analogias ao longo do filme, havendo uma principal em cada época na qual a narrativa se passa. No passado, o conquistador parte à procura da lendária árvore da vida. No presente, o médico está em busca da cura na ciência. No futuro, o astronauta consegue finalmente alcançar a resposta para as grandes questões existenciais. Não se pode negar que a empreitada a que Aronofsky se propôs seja de grandes dimensões. Por outro lado, o realizador está falando aqui de medos e incertezas que afligem a todos em algum momento da vida. Os questionamentos levantados por sua obra não estão circunscritos apenas ao âmbito dos estudos filosóficos, mas se aplicam a uma realidade bastante prosaica, ainda que muito subjetiva. O projeto de levar a história as telas passou por uma série de contratempos, que resultaram em cinco anos até que ele se concluísse. Inicialmente, o diretor havia escalado Brad Pitt para protagonizar a obra, mas as clássicas diferenças criativas foram usadas como argumento pelo ator para que ele se desligasse da produção. O fato fez despencar o orçamento que Aronofsky tinha nas mãos inicialmente, e também levou à saída de Cate Blanchett do elenco. Os dois atores se encontrariam logo em seguida no equivocado Babel (idem, 2006), e ainda repetiriam a dobradinha em O curioso caso de Benjamin Button (The curious case of Benjamin Button, 2008). Talvez tenha sido uma decisão equivocada de ambos em terem desistido.

A complexidade da narrativa (novamente ela) é um índice de ambiguidade do filme. Ao mesmo tempo em que é bom notar que o diretor não está preocupado em seguir o caminho mais fácil e óbvio para sua história, ele parece perder o rumo em trechos que poderiam ser mais palatáveis. Entretanto, o resultado final tende muito mais para a positividade, garantindo ao longa-metragem um lugar entre as grandes produções da última década. Fonte da vida é perfeitamente capaz de de demonstrar que o homem está em constante estado de rotação e translação, por conta de seus movimentos de busca intermitente pelo rompimento das amarras que lhe são colocadas. Não é de hoje que cientistas, espécies de releituras contemporâneas dos alquimistas medievais, tentam encontrar o elixir da vida e garantir a eternidade a um ser que, por conta de seu afastamento de um contato pleno com o divino, a perdeu. A fonte de Aronofsky se revela transbordante e assinala o talento de um cineasta que fala de rupturas e tem a seu favor aqui uma dupla de atores que ultrapassa o trivial para oferecer uma obra de profundas ressonâncias existenciais.

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