Ted, o retrato de uma amizade como nenhuma outra

Salta aos olhos desde os seus primeiros minutos que Ted (idem, 2012) é uma comédia escrachada e, ao mesmo tempo, cheia de sentimento. O filme de Seth McFarlane, conhecido do público através do seriado Uma família da pesada, é extremamente feliz ao conjugar piadas sem o menor compromisso com a correção política e o carinho por seus personagens principais, cujo laço de amizade indestrutível é também o foco de muitos problemas para um deles. Tudo começa com a infância de John, um garoto que sofre com a falta de amigos na sua vizinhança, e não serve nem mesmo como joguete para o bullying dos meninos da sua faixa etária. Desolado, ele deseja apenas alguém com quem possa compartilhar momentos, e canaliza essa vontade para um singelo ursinho de pelúcia que ganha dos pais como presente de Natal. Passa a fazer tudo com o brinquedo e pede aos céus que ele ganhe vida, o que acaba acontecendo. Está iniciada uma relação que se estenderá por toda a existência de ambos.

A premissa de Ted flerta diretamente com o surreal ao propor um urso vivo e falante, e esse detalhe inusitado responde pelo carisma do filme, que traz para o debate os códigos de conduta que regem a fidelidade na amizade masculina, simbolizada pelas figuras de John e Ted, inseparáveis em todos os sentidos. O grande problema começa quando Lori (Mila Kunis), a namorada com quem John divide o mesmo teto, afirma que ele precisa amadurecer, e manter seus hábitos irresponsáveis junto a Ted nunca permitirá que isso venha a acontecer. Então, vem o ultimato: ou o ursinho sai da casa, ou sai ela. Consequentemente, John passa a viver a encruzilhada de administrar suas farras na companhia do amigo e manter o romance com a garota que tanto ama. E essa divisão do protagonista sempre nos é apresentada com fartas doses de humor, em situações que beiram o nonsense e fustigam, por vezes, a moral e os bons costumes.

O sentimento do filme é demonstrado pelo carinho que John e Ted mantêm um com o outro, sempre entremeado por comentários zombeteiros recíprocos que, longe de ofender, soam até mesmo divertidos, algo possível entre amigos de longa data, que conhecem a fundo os defeitos e qualidades um do outro. A verdade é que John precisa crescer, mas ele não vê com bons olhos esse processo devido ao fato de não conseguir se desapegar de Ted, o único amigo com quem ele pôde contar a vida inteira. Não há ninguém de carne e osso que ocupe o posto de Ted em sua vida: o personagem não tem outras companhias constantes. Para Lori, é extremamente difícil entender essa condição, mas o roteiro escrito pelo próprio diretor está longe de vilanizá-la. A garota se esforça para não deixar o namorado entre a cruz e a espada, mas sua tolerância não é inesgotável, e John também faz por onde irritá-la, como quando a esquece em uma festa importante para atender a mais um convite de Ted para a gandaia, na qual ele encontra um dos seus personagens favoritos da sua infância.


Esse é outro aspecto muito divertido de Ted: as referências. McFarlane cruza citações de filmes, celebridades e figurinhas carimbadas de nossos e de outros tempos, sempre com uma dose de malícia, tornando a história pontuada de achados irresistíveis. O espaço das gargalhadas está garantido, especialmente para aqueles com um senso de humor menos puritano, que se divertem com associações escatológicas e de cunho sexual – aliás, é impressionante como a grande maioria das pessoas acha a maior graça em comentários de duplo sentido, sendo um deles voltado para o erotismo. Um dos exemplos de que esse é o espírito do filme é a cena em que Lori chega ao apartamento em que mora com John e Ted e encontra o ursinho acompanhado de três prostitutas, com quem assiste a Cada um tem a gêmea que merece (Jack and Jill, 2011), bomba estrelada por Adam Sandler que, segundo o peludo, serve àquelas garotas, já que elas veem qualquer coisa.

É assim, coalhado de tiradas ácidas, que Ted pavimenta seu caminho para ganhar o coração do público e lembrar que é essencial crescer e reavaliar prioridades constantemente. Conta muito a favor disso a interpretação descontraída de Wahlberg, um ator de fartos recursos dramáticos que exercita sua veia cômica em cenas hilárias. Há muito, ele vem colecionando bons papéis no cinema. De seu estouro em Boogie nights – Prazer sem limites (Boogie nights, 1997), em que viveu um astro do cinema pornográfico, até aqui, ele tem mais acertos do que erros, sendo Ted um dos exemplares do primeiro caso. Kunis é outra que se sai bem, apesar de ter poucos momentos para brilhar em cena – o filme é muito mais sobre John e Ted e as provas de fogo a que sua amizade é submetida. Entre os coadjuvantes, há espaço para um bizarro Giovanni Ribisi, à vontade como um pai que não nega nada ao filho e cisma que Ted pertencerá ao garoto. E o ursinho, por sua vez, é um poço de carisma, mesmo que por vias tortas. Vindas dele, todas as barbaridades soam fofas – afinal, é um ursinho de pelúcia. Perto de seu final, o longa faz uma grande concessão ao sentimentalismo, diluindo um pouco sua pegada piadista, mas nada que comprometa a estrutura geral da história, o retrato de uma amizade como nenhuma outra.

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