Bling ring: a gangue de Hollywood, um olhar sobre a frivolidade

Incensada pelo público e pela crítica ao dirigir Encontros e desencontros (Lost in translation, 2003), Sofia Coppola vem demonstrando, a cada filme, o seu interesse perene na análise de indivíduos assinalados pelo vazio, pelo tédio e pela falta de sentido para viver. Essa constatação emerge de todos os seus trabalhos, com maior ou menor intensidade, e é verificável na simples leitura de suas respectivas sinopses. Com Bling ring: a gangue de Hollywood (Bling ring, 2013), a cineasta segue fiel a essa premissa, com o detalhe de que, dessa vez, investe muito mais no luxo e na extravagância para contar sua história. Partindo de um artigo escrito por Nancy Jo Sales, intitulado The suspects wore Louboutins (Os suspeitos usavam Louboutins), somando às suas próprias experiências pessoais, Coppola flagra um grupo de jovens de classe média alta cujo fascínio pelas celebridades os conduz a invadir suas casas e cometer pequenos furtos.  

Nicki (Emma Watson), Rebecca (Katie Chang), Sam (Taissa Farmiga, irmã de Vera Farmiga) e Chloe (Claire Julien) estudam no mesmo colégio e são especialistas na conjugação do verbo "comprar". Suas combinações de roupas e acessórios nunca sã aleatórias e até mesmo seus andares são friamente calculados de modo a compor um estilo impecável e de causar inveja aos pobres mortais. As quatro acreditam ter nascido para gastar e canalizam todas as suas energias para essa finalidade. É com elas que Marc (Israel Broussard), recém-chegado à escola, acaba se identificando, e de quem se torna amigo em pouco tempo, além de cúmplice paras tais invasões. A certa altura, eles passam a ser chamados de Bling Ring, conforme sua fama negativa começa a crescer. Antes disso, porém, o quinteto começa seus passeios pelas mansões alheias timidamente. Uma rápida busca na internet lhes permite encontrar endereços cobiçados com uma facilidade incrível, e lá vão eles fazer visitas surpresa aos donos das casas em sua ausência.

Uma vez dentro das mansões, os jovens se entregam ao prazer do consumismo, perdendo a cabeça por joias, bolsas, casacos, sapatos e tudo o mais que representa status visual. Nicki e companhia aprenderam que nada vale mais do que a aparência, e seus professores foram seus ídolos igualmente vazios e, sobretudo, a mídia, sempre bombardeando essa cultura de celebridades como se fosse a única maneira de ser feliz. Entretanto, os protagonistas não são vitimizados em seu anseio por pertencer àquele universo paralelo e surreal. Todos são responsáveis por suas atitudes inconsequentes, em maior ou menor grau, e vão acumulando dívidas astronômicas em suas contas pessoais, por assim dizer. Como filha do grande Francis Ford Coppola, Sofia tem plena consciência do mundo que está explorando aqui mais uma vez. Desde criança, ela foi se habituando a frequentar grandes reuniões e a saracotear pela casa em meio a convidados ilustres, recebidos com pompa e circunstância. A fama praticamente caiu em seu colo, e ela tem se valido desse conjunto de vivências para arquitetar seu universo fílmico.


O detalhe que singulariza Bling ring: a gangue de Hollywood perante os longas anteriores de Coppola filha talvez seja sua grande palatabilidade. Fica a nítida sensação de que o roteiro, também de sua autoria, caminha no fio da navalha entre a crítica discreta àquele ambiente frívolo em que os protagonistas estão imersos - que inclui idas a boates e dezenas de fotos para serem imediatamente publicadas na rede social de Mark Zuckeberg - e um certo carinho por ele. A título de comparação, o posicionamento da diretora é um tanto similar ao de pensadores iluministas que levantavam questionamentos ao Antigo Regime sendo eles mesmos pertencentes à nobreza privilegiada - Montesquieu serve de exemplo ilustrativo para o caso. Entretanto, se se trata de um demérito ou de uma virtude da obra, cabe muito mais ao espectador decidir. E essa ambiguidade fica ainda mais notável quando se pensa que, para promover o filme mundo afora, elenco e diretora tenham se submetido a uma rotina de flashes e tapetes vermelhos, bem como de assédios de fãs, justamente o aspecto criticado no filme. Vale lembrar aqui o Johnny Marco (Stephen Dorff) de Um lugar qualquer (Somewhere, 2010), cujo quotidiano era exatamente assim.

Se a crítica não soa tão veemente, porém, a diretora não abre mão de ser espirituosa, fazendo certa chacota com algumas "personalidades da mídia" e atrizes de ocasião - é a deixa para as aparições-relâmpago de Paris Hilton, símbolo máximo desse glamour oco, e Lindsay Lohan, atual ícone de garota-problema (e que foi alvo da verdadeira Bling Ring). Essas e outras situações abordadas no filme causam risos e, para alguns, pode ter efeito especular, gerando certo incômodo pela verdade desagradável que é lançada nos personagens. Também sobra espaço para cutucar a proliferação dos livros de autoajuda, que elevam seus leitores ao patamar de deuses autossuficientes que galgam qualquer degrau com uma boa dose de confissão positiva. Esse questionamento muito pertinente se derrama sobre a figura da mãe de duas das garotas, e é quase inevitável não ser tomado por um espírito zombeteiro diante das pretensiosas e ridículas "lições de vida" que ela tenta transmitir às filhas, completamente absorvidas pelo mantra "ter, ter, ter". Em seu conjunto, o filme pode não alcançar o status ocupado por Encontros e desencontros até hoje, mas vale ser conferido por se revelar um novo exercício de estilo - com ou sem trocadilho - concebido por Coppola filha.

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