Três homens em conflito, o desfecho de uma trilogia cheia de balas

Um tesouro, três interessados, três pedaços de informação. Conjugando esses elementos básicos, Sergio Leone dirigiu Três homens em conflito (Il buono, il brutto, il cattivo, 1966), derradeiro exemplar da Trilogia dos Dólares (ou do Homem sem Nome). O mais longo dos filmes, esse aqui traz novamente o personagem do pistoleiro, dessa vez, chamado Blondie (Clint Eastwood), que está de olho em uma alta quantia em dinheiro, assim como Angel Eyes (Lee Van Cleef) e Tuco (Eli Wallach). Cada um deles guarda uma informação a respeito da localização do tesouro, e precisam de ajuda mútua para colocar as mãos na quantia que pode resolver seus problemas financeiros – ao menos, por um longo tempo. O problema do surge da total falta disposição dos três em dividi-lo, sendo justamente esse o fator de conflito mencionado no título nacional da obra. Resta-lhes, então, colocar em prática toda a sagacidade de que dispõem e reunir os dados o mais rápido possível para enriquecer subitamente. 

Como nos longas anteriores da Trilogia, a premissa rasa é a deixa para uma longa competição balística, durante a qual o famoso ditado “Cada um por si e Deus por todos” é levado ao pé da letra. Confiar é uma palavra que não existe no vocabulário desses homens, que são apresentados um por vez e recebem os codinomes de Bom, Feio e Malvado, traduções do bom italiano que consta do título original do faroeste. Aos poucos, eles vão justificando essas alcunhas com suas atitudes e escrevendo os próprios destinos à custa de muitos tiros disparados para todos os lados. O espectador, por sua vez, pode acabar simpatizando com um deles, por mais tortas que sejam suas condutas. Aliás, que ninguém se engane: o Bom não é apenas bom, o Feio não é apenas feio e o Malvado não é apenas malvado. Leone sabe trabalhar com nuances e produzir certas quebras de expectativas, o que afasta Três homens em conflito de uma atmosfera de previsibilidade. Na busca pelo tesouro, eles podem surpreender a qualquer momento, para o bem e para o mal.

O tal tesouro compreende 200 mil dólares roubados, soma bastante superior àquelas pelas quais os protagonistas de Por um punhado de dólares (Per um pugno de dollari, 1964) e Por uns dólares a mais (Per qualche dollaro in più, 1965) lutavam ardorosamente. Cada qual com a sua estratégia, Blondie, Angle Eyes e Tuco se exercitam na arte da trapaça, julgando-se sempre um mais esperto que os outros. Essa pretensão “intelectual”, por assim dizer, rende situações de humor genuíno, apresentado por vias irônicas. São instantes de alívio cômico em meio à saraivada de projéteis que ecoa na tela, e o trio faz rir se mantendo sério. E as dificuldades que eles enfrentam nessa busca obstinada e frenética incluem campos de prisioneiros e o transcorrer da Guerra Civil Americana, cuja eclosão se deu no longínquo ano de 1861. Sem falar que os três precisam continuar vivos, afinal, são partes integrantes do valioso quebra-cabeça rumo aos milhares de dólares. A expressão popular “sinuca de bico”, usada para descrever situações em que há duas escolhas a serem feitas e ambas podem ser prejudiciais de alguma forma, encontra ilustração perfeita aqui.


Dos três, o mais cativante, talvez, seja Blondie, com sua predisposição maior a atos bondosos, por mais que esteja tão interessado no dinheiro quanto os demais. Na verdade, nunca se sabe o seu nome verdadeiro, já que Blondie é um apelido criado por Tuco devido à sua cor de cabelo – traduzido, o nome significa “louro”. Seu intérprete, Eastwood, é o único presente em todos os filmes da Trilogia, o que revela a predileção de Leone pela sua aparência de pouquíssimos amigos. O cineasta, aliás, foi categórico ao se referir ao ator: “Eu gosto de Clint Eastwood porque ele tem somente duas expressões faciais: uma com o chapéu e outra sem ele”. De fato, suas performances na Trilogia se resumem a essas expressões dicotômicas, o que está longe de querer dizer que se trata de um ator limitado. Muito pelo contrário: naquele Oeste selvagem, cai muito bem ser econômico em emoções, até mesmo por uma questão de sobrevivência mais efetiva.

Comparado aos longas predecessores, Três homens em conflito é o que mais tem ares de superprodução, a começar pelo fato de durar 161 minutos, bem mais tempo que os outros. Leone também dispôs de um orçamento mais polpudo para filmar esse desfecho, investindo em uma abordagem que incorpora acontecimentos históricos à jornada fictícia dos pistoleiros e em uma infraestrutura mais complexa, o que inclui também uma grande quantidade de figurantes.  E, em meio aos cenários épicos, o roteiro, também escrito pelo realizador em parceria com Luciano Vincenzoni, que colaborou pela primeira vez na Trilogia, assinala que o universo do faroeste é habitado por indivíduos que dependem muito mais da sorte do que da honra ou da benevolência. Ainda assim, é interessante observar que os três homens mantêm uma relação de interdependência absoluta, obviamente, por conta do interesse no tesouro, embora se possam vislumbrar laivos de uma certa amizade, ainda que em um sentido heterodoxo. O resultado final de Três homens em conflito é um filme um tanto extenuante, levemente inferior a Por uns dólares a mais – o melhor da Trilogia -, mas capaz de conquistar mesmo que não é entusiasta do western spaghetti.

7/10

Comentários

  1. É clichê dizer que o texto está excelente, é impressionante a facilidade do Patrick em escrever críticas, mesmo em um gênero que não tem tanta experiência assim. O filme é perfeito em todos os aspectos, e pelo seu texto Patrick, acho que voce gostou do filme mais do que sua nota reflete, rsrs.

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  2. Muito obrigado, Alexandre!
    De fato, não é tão fácil pra mim escrever sobre faroestes, mas acho que esse merecia ser comentado.
    Quanto à nota, ela é mero detalhe. Procurei me concentrar nas qualidades do filme e, por isso, pode parecer que gostei mais do que a nota faz pensar.

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