Procurando pela verdade em Tão forte e tão perto


Parece que Stephen Daldry tem guardado consigo o segredo para agradar em cheio à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O diretor sempre consegue emplacar uma indicação ao Oscar de melhor filme com suas produções. Com Tão forte e tão perto (Extremely loud and incredibly close, 2011), seu quarto filme, não foi diferente. A adaptação para o cinema do livro homônimo (no original) de Jonathan Safran Foer abocanhou uma indicação na categoria e se tornou a surpresa entre os outros eleitos. Um exame atento, porém, permite notar que não se trata de um dos exageros dos membros da Academia. A trama é sobre Oskar (Thomas Horn), um garoto de 11 anos que se viu assombrado pelo trauma depois de perder seu pai, Thomas (Tom Hanks) no ataque às Torres Gêmeas do fatídico 11 de setembro. Ele demonstra uma inteligência muito acima da média para a sua idade, e apresenta uma maneira um tanto inusitada de lidar com essa perda. E sua rotina ganha contornos de saga depois que ele descobre casualmente uma chave dentro de um envelope com a inscrição Black, que, por sua vez, estava dentro de um vaso azul no guarda-roupa do pai.

De posse dessa chave, ele passa a tentar descobrir quem seria o seu dono, e sua procura intensa o leva a criar um método de busca que dê conta de cobrir todas as possibilidades de pessoas a quem ela possa pertencer. É aí que Daldry começa seu flerte perigoso com o sentimentalismo, por vezes, resvalando em tons de pieguice, mas sem sucumbir a ela de todo. Um pouco de contenção faria bem a Tão forte e tão perto, o que lhe conferiria até mesmo um pouco mais de verossimilhança. Na procura pela verdade contida naquela chave, Oskar conhece todo tipo de gente e enfrenta de perto muitos dos seus medos e manias, como a resistência quase irracional em atravessar pontes e em tomar qualquer tipo de transporte público, por achar que estaria totalmente desprotegido em qualquer um dos casos. Ele só consegue ir de um lado a outro de uma ponte de sua cidade acompanhado de seu pandeirinho, que lhe serve de fonte de calmaria. Trata-se de um signo singelo de tranquilidade que ajuda a compor o cabedal de excentricidades do personagem.

Entre as pessoas que conhece em sua procura, está Abby Black (Viola Davis, ótima), uma mulher que vive uma grave crise conjugal que resulta no seu divórcio. Ela é a pista mais importante que ele encontra para a solução do mistério, embora não saiba disso desde o início. Até que descubra, vai percorrer ruas e casas com todo o afinco, e rever alguns conceitos que vinha estabelecendo para si até então. Enquanto isso, sua mãe, Linda (Sandra Bullock) vê aumentar o seu distanciamento, e acaba ouvindo coisas horríveis do menino, como quando ele declara que preferiria que ela tivesse morrido no atentado ao invés do pai. A atriz está especialmente contida nesse trabalho, em caracterização básica que, por muitos momentos, faz-nos esquecer da intérprete e enxergar apenas a personagem. Com poucas cenas, ela consegue entregar um bom trabalho e despertar a condolência do público diante do drama de uma mãe e uma esposa em processo de conformação com sua nova e inesperada condição de viúva. Nem de longe ela lembra aquela atriz de comédias bobas que pavimentaram boa parte de sua carreira.



Hanks, por sua vez, aparece muito mais em flashbacks como Thomas, compondo o quadro de lembranças de Oskar e sua dor aguda e intermitente pela sua morte. O veterano faz o que sabe melhor: interpretar o homem virtuoso que agrada a todos e deixa saudade por onde passa, sem chegar a surpreender em seu desempenho. Quem verdadeiramente rouba a cena é Max Von Sydow, na pele de um misterioso inquilino do apartamento da avó de Oskar, que dá um banho de atuação sem dizer uma palavra sequer, dada a condição de mudo de seu personagem que chega a ser questionada pelo garoto. Ele é capaz de encantar o público com sua presença em cena, e tem grande importância na vida de Oskar, já que auxilia o garoto a superar parte de seus traumas, como aqueles citados anteriormente. Com um bloquinho e as palavras “sim” e “não” tatuadas em suas mãos, ele consegue se comunicar e exprimir verdades profundas sobre sua própria vida e a vida em geral. Merecidamente, ele recebeu uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante, perdido para outro veterano como ele: Christopher Plummer, que venceu por Toda forma de amor (Beginners, 2010).

Tão forte e tão perto é um filme de grandes qualidades. Está longe de apresentar brilhantismo, mas exala sentimento – por vezes, em demasia – e consegue transmitir uma mensagem edificante sem soar chato a maior parte do tempo. Daldry já demonstrou mais inspiração em seus trabalhos anteriores, sobretudo o sublime As horas (The hours, 2002), que segue como sua obra-prima. Contudo, aqui ele reforça a sua preferência pelo retrato de dramas humanos cheios de potencialidades, apostando em uma montagem que desvenda o grande segredo da narrativa de modo envolvente. O maior senão é o próprio protagonista. É inegável o talento de Horn na composição de Oskar, mas seu Oskar muitas vezes é enervante, até mais do que o personagem principal de outro filme que lhe é contemporâneo, o Cyrill (Thomas Doret) de O garoto da bicicleta (Le gamin au vélo, 2011). Curiosamente, eles são homônimos na vida real. Ao final, fica a certeza de que se esteve diante de uma história bem contada, com um ou outro clichê sentimentalista que não chega a comprometer o conjunto, e assegura a posição de Daldry entre os diretores talentosos de sua geração.

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