Amores imaginários e a pretensão levada ao quase limite

A pseudointelectualidade pode sempre respirar aliviada quando depara com filmes na linha de Amores imaginários (Les amours imaginaires,2010), segundo exercício de egocentrismo proposto por Xavier Dolan. Odiretor, na casa dos 20 anos, parece entender o ambiente cinematográfico como uma ponte para a observação especular de sua própria existência, o que, em princípio, não é todo ruim. Entretanto, seu discurso não poderia ser mais fleumático. Seu filme versa sobre as ilusões de ótica – propositais ou não – decorrentes da antiquíssima disposição humana para a idealização amorosa, com todos os ônus e bônus que isso acarreta. O tema, em si, é gerador de profundo interesse e já rendeu pérolas de valor inestimável, elaboradas por cineastas que trilham caminhos acordados com os certames de uma boa exposição dialógica. Mas, no caso de Dolan, a pretensão com que a trama é conduzida deturpa toda a tentativa de seduzir o espectador.



A história é protagonizada por Francis (Dolan), Marie (Mônica Chokri) e Nicolas (Niels Schneider), jovens cujos desencontros amorosos vão permear seus contatos e determinar suas atitudes. Os dois primeiros são amigos inseparáveis, que caem de amores pelo terceiro, sem saber ao certo qual a preferência sexual do rapaz. Desse modo, pelejam sutilmente pela predileção do jovem, até que começam as ranhuras no âmago dessa amizade que aprecia sólida e intensa. É então que começa a se delinear um longo jogo de sedução que os levará à plena incerteza sobre si mesmos e sobre os outros dois vértices desse triângulo amoroso forjado em circunstâncias não premeditadas. O grande problema que acomete Amores imaginários é sua insistente necessidade de ser um grande filme. De uma forma ou de outra, é como se Dolan estivesse tentando gritar para o seu público: “Esta aqui é uma obra-prima! A minha obra-prima!”, quando, na verdade, está longe de ser. Ele investe em um irritante jogo de luzes e em truques de câmera cuja maior “contribuição” é demonstrar que o fiapo de trama não resiste sozinho, e depende de anteparos para seu deslizamento.

O pior de tudo é pensar que o diretor incorre nesse erro pela segunda vez. Seu filme de estreia, Eu matei minha mãe (J’ai tué ma mère, 2009), padece de um mal muito semelhante, que consiste na utilização um tanto indiscriminada de recortes cênicos e de artifícios técnicos para serem somados a uma narrativa frágil. Acrescente-se a isso a presença de personagens empolados demais – agora, voltando a Amores imaginários -, que parecem saídos de um quadro impressionista que não deu certo, distantes e com uma constante expressão de tédio e fastio. Francis, por exemplo, parece muito mais interessado em ver a si mesmo em Nicolas que necessariamente tomar o rapaz em seus braços. Assim como Monica, ele jamais demonstra vero entusiasmo pela figura daquele Adônis genérico, que, por sua vez, brinca de passear entre a vontade e a inclinação por um ou por outro, como quem pretende estar eternamente em cima do muro. Nicolas é até capaz de dormir agarradinho com os dois amigos, mas nunca assevera se está interessado em Monica ou Francis.



No fundo, o que sobra é a noção de estilização total na condução do filme. Dolan quis bancar o descolado e fez um filme que, decerto, atende a uma parcela considerável de jovens. Mas parece ter circunscrito seu trabalho a esse nicho, pois também carrega na afetação e na gratuidade de algumas cenas e diálogos. A expressão da banalidade, por si só, não é de todo ruim, mas está longe de funcionar em Amores imaginários. Sem falar nas citações diretas e indiretas que atravessam o filme. A nítida impressão causada pela obra é a de que se tentou fazer um cruzamento entre Os sonhadores (The dreamers, 2003) e Canções de amor (Les chansons d’amour, 2007), recolhendo elementos centrais de um e outro para revesti-los de uma roupagem intelectualoide. No final das contas, o filme de Dolan não chega a lamber um pés nem de um, nem de outro. Se, de um lado, ele pode ser admirado por ter buscado uma linguagem própria no domínio cinematográfico, de outro, contudo, ele merece ter sua obra rechaçada, pela presunção que se infiltrou em sua feitura e a necrosou, como uma gangrena faz a um membro do corpo ferido. E, como se descaramento pouco fosse bobagem, ele ainda foi capaz de fazer de Niels Schneider uma espécie de versão genérica de Louis Garrel, ator que figura no elenco das duas citações mais óbvias do diretor. O próprio Garrel chega a fazer uma ponta numa das sequências finais do filme, dando a entender que atendeu a súplica de Dolan para estar ali. A cena talvez seja a cereja colocada no topo de um altíssimo bolo que prima pelo mau gosto.

Apesar de todos os problemas de que sofre, o filme traz como um de seus poucos méritos algumas deslumbrantes paisagens canadenses, país em que a história transcorre. Sabiamente, o diretor mancebo recorreu a espaços menos carimbados do lugar, concentrando-se em ambientes que ilustram geograficamente a porção francófona do país da bandeira da folha de ácer, pátria amada de feras como David Cronemberg, de quem veio a declaração de que “nós, canadenses, somos mesmo estranhos”. Essa tal estranheza perturba e enerva em Amores imaginários, cuja indicação ao César de melhor filme estrangeiro soa disparatada. Se Dolan tivesse algumas gotas a mais de maturidade em sua faceta de diretor, talvez o longa não resultasse em uma construção tão empelotada, com lacunas que, verdadeiramente fazem falta. Esperemos para que, em seu próximo trabalho, seu foco vá além de realçar a si mesmo e à sua persona cinematográfica. Do contrário, um novo e enfadonho discurso autocentrado estará a caminho.

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