BALANÇO MENSAL - SETEMBRO

Como acontece desde março de 2012, vi pelo menos um filme por dia ao longo do mês de setembro, com exceção de um único dia, no qual ocupei meu tempo como guia turístico informal pela minha cidade. Então, a leva de títulos é volumosa, conforme se verá logo abaixo. Em termos de notas, nenhum conseguiu mais do que 8, um dado preocupante, diga-se de passagem. O questionamento - que já está se tornando velho - sobre os filmes não serem tão bons ou eu ter me tornado mais exigente com o tempo persiste. Mas exagero um pouco ao falar em preocupação e citar notas. Afinal, cinema nunca rimou com matemática, e esses numeraizinhos de 0 a 10 que acompanham meus filmes são apenas uma leve tentativa de traduzir os sentimentos que eles despertaram, bem como a falta deles. 

O cinema francês prevaleceu no pódio de setembro, com exemplares de sua força além das palavras. Em comum as medalhas de ouro e de bronze também tem o fato de serem assinadas por mulheres, um detalhe significativo em um universo ainda regido pelo sexo masculino. É com prazer que afirmo que elas não estão aqui preenchendo cotas, mas como resultado de inúmeros méritos, alguns dos quais procuro apontar nos parágrafos relativos a cada obra. Segue mais um balanço mensal para os meus cinco leitores!

MEDALHA DE OURO

Coração e alma (Katell Quillévéré, 2016)



A vida continua. Nem sempre do jeito que desejamos. Assim como nem sempre permanecem conosco quem gostaríamos de ter pela vida inteira. A realizadora ilustra essas certezas em um drama de tintas fortes, mas nunca pesa a mão e oferece algumas centelhas de esperança em sequências pontuais dentro de uma narrativa sobre um garoto que sofre morte cerebral após um grave acidente e uma mulher que aguarda sua vez para um transplante de coração. Quillévéré divide o foco entre esses dois protagonistas: um está deixando a vida, outra está lutando para continuar tendo a sua. E que cenas emocionantes essas condições em que eles estão proporcionam. Passado e presente também se alternam, contribuindo para entender um pouco sobre quem é o rapaz, precocemente incapacitado, num caso incomum de filho indo embora antes dos pais. Quanto à mulher, também conhecemos um pouco de sua bagagem de vida, que inclui alegrias e arrependimentos. A vida é assim, afinal. 

MEDALHA DE PRATA

Contratiempo (Oriol Paulo, 2016)



É sempre bom quando exemplares de gêneros tipicamente associados à seara hollywoodiana aparecem vindo de outras terras. Isso lembra a algumas pessoas que existem outras nacionalidades possíveis para os filmes. Contratiempo abraça a cartilha do suspense e capricha nas reviravoltas, brincando com a percepção da verdade e do fingimento o tempo todo. Típico caso em que os detalhes fornecem pistas valiosas para o entendimento global da trama, o longa desafia os espectadores com faro detetivesco aguçado. Mesmo os mais espertinhos podem experimentar a sensação de puxada de tapete, sobretudo nos minutos finais - óbvio que não vou dar qualquer informação a respeito desse momento da história.  O pouco que dá para dizer é que um casal de amantes vê sua situação se tornar cada vez mais complicada depois de um acidente, e nada é exatamente o que parece. Vale pena ficar de olho em Paulo, que acumula as funções de diretor e roteirista acertando em cheio nas duas.

MEDALHA DE BRONZE

Polissia (Maiwënn, 2011)



Quase tudo incomoda em Polissia. As situações apresentadas estão inscritas no cotidiano, mas nem por isso podem ser encaradas sob a ótica da normalidade. São histórias de estupro e abuso infantil, a maioria deles cometidos por parentes próximos das crianças ou por outro adultos que conseguem uma relação de confiança com elas, como um professor de natação. Além desses dramas diários, os policiais e assistentes sociais enfrentam suas próprias dificuldades pessoais, e a câmera de Maiwënn acompanha tudo com a atenção de um observador curioso. Ela também interpreta uma fotógrafa que acompanha a equipe e divide opiniões com seus cliques insistentes, e muitos são realmente fora de hora. O detalhe interessante do título é que polícia foi grafado propositalmente fora do padrão, tanto no original como em português, evocando as crianças - grandes beneficiadas pelo trabalho desses profissionais -, que ainda não assimilaram as regras de escrita de sua língua. Uma sacada simples, genial e resumitiva do propósito do filme.


INÉDITOS

299. Vida (Daniel Espinosa, 2017) -> 7.5
300. Coração e alma (Katell Quillévéré, 2016) -> 8.0
301. Contratiempo (Oriol Paulo, 2016) -> 8.0
302. A mulher sem cabeça (Lucrecia Martel, 2008) -> 4.0
303. Clamor do sexo (Elia Kazan, 1961) -> 8.0
304. Polissia (Maiwënn, 2011) -> 8.0



305. Sieranevada (Cristi Puiu, 2016) -> 6.0
306. Atômica (David Leitch, 2017) -> 8.0
307. Como nossos pais (Laís Bodansky, 2017) -> 6.0
308. As duas faces de janeiro (Hossein Amini, 2014) -> 7.0
309. Entrando numa fria maior ainda com a família (Paul Weitz, 2010) -> 5.0
310. Uma aventura na África (John Huston, 1951) -> 7.0
311. Ao cair da noite (Trey Edward Shults, 2017) -> 8.0



312. As crônicas de Nárnia - A viagem do Peregrino da Alvorada (Michael Apted, 2010) -> 6.5
313. Cyrus (Jay e Mark Duplass, 2010) -> 6.0
314. Os meninos que enganavam nazistas (Christian Duguay, 2017) -> 8.0
315. E la nave va (Federico Fellini, 1983) -> 7.5
316. Sem direito a resgate (Daniel Schechter, 2013) -> 6.0
317. O lar das crianças peculiares (Tim Burton, 2016) -> 5.0
318. Na praia à noite sozinha (Hong Sang-soo, 2016) -> 8.0




319. Agonia e glória (Samuel Fuller, 1980) -> 7.0
320. Mulher Maravilha (Patty Jenkins, 2017) -> 7.0
321. Quando os jovens se tornam adultos (Barry Levinson, 1982) -> 7.0
322. Omar (Hany Abu-Assad, 2013) -> 8.0
323. O poderoso chefinho (Tom McGrath, 2017) -> 5.5
324. De canção em canção (Terrence Malick, 2017) -> 5.0



325. Animal político (Tião, 2016) -> 4.0
326. Brazil - O filme (Terry Gilliam, 1985) > 7.5
327. Nashville (Robert Altman, 1975) -> 7.0
328. Guerra (Tobias Lindholm, 2015) -> 8.0
329. Sweet sixteen (Ken Loach, 2002) -> 7.5

REVISTOS

O abismo prateado (Karim Ainöuz, 2011) -> 8.0
2001 - Uma odisseia no espaço (Stanley Kubrick, 1968) -> 9.0
Tiros na Broadway (Woody Allen, 1994) -> 9.0
O garoto da bicicleta (Jean-Pierre e Luc Dardenne, 2011) -> 9.5
Soul kitchen (Fatih Akin, 2009) -> 8.0

MELHOR FILME: Coração e alma
PIOR FILME: A mulher sem cabeça/Animal político
MELHOR ATRIZ: Ana Wagener, por Contratiempo
MELHOR ATOR: Viggo Mortensen, por As duas faces de janeiro
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Karin Viard, por Polissia
MELHOR ATOR COADJUVANTE: James McAvoy, por Atômica
MELHOR DIRETOR: Oriol Paulo, por Contratiempo
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: Oriol Paulo, por Contratiempo
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: Katell Quillévéré e Gilles Taurand, por Coração e alma
MELHOR FOTOGRAFIA: Tom Harari, por Coração e alma
MELHOR TRILHA SONORA: Stephen Warbeck, por Polissia
MELHOR CENA: O desabafo de de Nadine em Polissia
MELHOR FINAL: Contratiempo

Comentários

Postagens mais visitadas