BALANÇO MENSAL - MAIO

Maio teve um saldo cinematográfico bastante positivo, com apenas duas notas realmente baixas, destinadas a filmes em que o roteiro foi o principal problema, a saber, The void (idem, 2016), no qual o terror é empurrado goela abaixo por meio de uns simbolismos obscuros e pretensiosos, e Jonas (idem, 2015), um dos representantes brasileiros que deixa a desejar na construção dos personagens e diálogos. Fora eles, houve muitas boas descobertas e uma decepção com Martin Scorsese e o caos dramático de Vivendo no limite, outra parceria com Paul Schrader na escrita 23 anos depois do excelente Taxi driver (idem, 1976). Abri espaço inclusive para Ingmar Bergman, com quem andava em dívida de filmes inéditos este ano. Um detalhe curioso foi a presença de muitos títulos recentes em preto e branco, entre eles Heleno, Os viciosos e Astrágalo, que foram sendo escolhidos um tanto aleatoriamente, ou seja, essa característica não foi decisiva para que cada um fosse incluído na seleção do mês que passou, que é integralmente apresentada abaixo, como de costume.

PÓDIO

MEDALHA DE OURO

Terra de minas (Martin Zandvliet, 2015)


Mais um filme tendo uma guerra como pano de fundo conquistou espaço no meu pódio. Na verdade, sobre as consequências de uma guerra, dessa vez. Narrado com sobriedade, Terra de minas (Under sandet, 2015) foi um dos cinco finalistas indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro e acompanha um grupo de jovens soldados alemães confinados em território dinamarquês até que desarmem todas as minas deixadas nas areias das praias durante a Segunda Guerra Mundial. A nação alemã saiu completamente humilhada do conflito, e os garotos sofrem pelos erros de seus conterrâneos. O grupo é comandado com extrema rigidez pelo sargento Rasmussen (Roland Møller), cujo coração está cheio de ressentimento pelos cinco anos de invasão daquele país. Realizador e roteirista do longa, Zandvliet faz um recorte de um momento histórico pouco visitado pelo cinema, que normalmente conta histórias da Guerra ainda em curso. Sua condução mistura drama e suspense, este último nas passagens de incerteza sobre a existência ou não de alguma mina ainda não desarmada. Guerras sempre são uma aberração e nunca existem vencedores de fato, e tal certeza é reforçada aqui, sobretudo quando uma tragédia desperta finalmente um sentimento de empatia.

MEDALHA DE PRATA

Corra! (Jordan Peele, 2016)


A recomendação do título deveria ter sido seguida logo de cara por Chris (Daniel Kaluuya), protagonista de Corra! (Get out, 2016), mas os motivos para tal só vão ficando mais evidentes com o avançar da narrativa. Ele é um rapaz negro; sua namorada, uma garota branca. Quando chega o dia de ela apresentá-lo à família, o receio se instala em sua mente, mas ela diz que os pais não são nada racistas. "Meu pai votou no Obama e votaria de novo se pudesse", diz ela ao rapaz, como se qualquer vestígio de preconceito pudesse ser extinto nessa simples colocação. Uma vez na casa dos futuros sogros, fatos estranhos vão acontecendo, deixando a sensação de um segredo sinistro no ar, como os empregados subservientes demais e os convidados cheios de tiradas questionáveis, como "negro está na moda". Cria do humor, Peele faz uso dele como arma para atirar contra o racismo, sobretudo o que se esconde em discursos aparentemente simpáticos. E adiciona toques de suspense no ambiente da casa, cujos donos escondem propósitos realmente assustadores. Mas não se engane: não é um filme feito para assustar nem é do tipo de recorre a clichês para estruturar sua trama, mas um belo exemplar de cinema inteligente com sequências inspiradas. Houve quem se queixasse da presença do amigo como um desnecessário alívio cômico, mas ele é mais do que isso: é a voz do espectador que deseja alertar o protagonista de que algo não vai bem por ali.

MEDALHA DE BRONZE

Vidas separadas (Delbert Mann, 1958)


Desde a abertura ao som de Separate tables, canção homônima do título original, Vidas separadas se mostra um filme sobre pessoas em desalento, cada qual por suas razões. O cenário é um hotel antigo, no qual seus hóspedes têm longas estadias. Ali se encontram um major (David Niven) com um segredo escandaloso de seu passado, uma jovem (Deborah Kerr) que vive à sombra da mãe castradora e hipócrita, um escritor (Burt Lancaster) se afogando em mágoas e uma mulher (Rita Hayworth) cujo grande medo é envelhecer sozinha. Suas trajetórias se encontram e suas personalidades vão desabrochando aos poucos, num enredo de base teatral, o que fica nítido especialmente pela restrição de espaço - são raras as cenas externas. Os interpretes estão afiados, e seus dramas são quase palpáveis, alguns típicos dos anos 50, a década que precedeu uma revolução comportamental logo depois. Estamos diante de um parente próximo de Douglas Sirk, um melodrama que coloca à mesa discussões importantes, como o lugar da mulher na sociedade. As falas da Sra. Matheson (Cathleen Nesbitt), por exemplo, são reflexo de uma concepção datada, mas ainda vigente na cabeça de algumas pessoas que culpam a mulher por situações de assédio. Após tanta desilusão, porém, o desfecho acena possibilidades agradáveis ao som da mesma canção com que fomos apresentados àquelas vidas.

INÉDITOS

LONGAS


152. Spartacus (Stanley Kubrick, 1960) -> 8.0
153. A guerra está declarada (Valérie Donzelli, 2011) -> 7.0
154. Terra de minas (Martin Zandvliet, 2015) -> 8.0
155. Instinto secreto (Bruce A. Evans, 2007) -> 5.0
156. Partisan (Ariel Kleiman, 2015) -> 4.0
157. Quatro irmãos (John Singleton, 2005) -> 7.0


158. Quando as mulheres esperam (Ingmar Bergman, 1952) -> 7.0
159. Aliados (Robert Zemeckis, 2016) -> 7.5
160. Duro de matar 4.0 (Len Wiseman, 2007) -> 8.0
161. O rio (Tsai Ming-liang, 1997) -> 7.5
162. Corra! (Jordan Peele, 2016) -> 8.0
163. The void (Jeremy Gillespie e Steven Kostanski, 2016) -> 4.0
164. A morte do Sr. Lazarescu (Cristi Puiu, 2005) -> 7.0
165. Vivendo no limite (Martin Scorsese, 1999) -> 6.0


166. Heleno (José Henrique Fonseca, 2011) -> 8.0
167. Minha querida dama (Israel Horovitz, 2014) -> 6.0
168. Pequenos espiões 3D (Robert Rodriguez, 2003) -> 4.5
169. Voo united 93 (Paul Greengrass, 2006) -> 6.0
170. Papillon (Franklin J. Schaffner, 1973) -> 6.5
171. Conto de cinema (Hong Sang-soo, 2005) -> 7.0
172. Shampoo (Hal Ashby, 1975) -> 6.0
173. Uma canção para Carla (Ken Loach, 1996) -> 7.0


174. Missão impossível 3 (J. J. Abrams, 2006) -> 7.0
175. A mentira (Will Gluck, 2010) -> 6.0
176. Fantasia (James Algar, Samuel Armstrong, Ford Beebe, Norman Ferguson e outros, 1940) -> 7.5
177. Astrágalo (Brigitte Sy, 2015) -> 7.0
178. Nise - O coração da loucura (Roberto Berliner, 2015) -> 8.0
179. Vidas separadas (Delbert Mann, 1958) -> 8.0
180. Os viciosos (Abel Ferrara, 1995) -> 7.0
181. Rios vermelhos (Mathieu Kassovitz, 2000) -> 7.0


182. Diamante de sangue (Edward Zwick, 2006) -> 7.0
183. John Wick - Um novo dia para matar (Chad Stahelski, 2017) -> 8.0
184. Comer, rezar, amar (Ryan Murphy, 2010) -> 5.0
185. Jonas (Lô Politi, 2015) -> 4.0
186. Happy times (Zhang Yimou, 2000) -> 7.0
187. Suntan (Argyris Papadimitropoulos, 2016) -> 7.5
188. Solaris (Andrei Tarkovsky, 1972) -> 8.0

CURTAS

O balão do Billy (Don Hertzfeldt, 1998) -> 3.0
Lost in the mountains (Hong Sang-soo, 2009) -> 7.0
Father and daughter (Michael Dudok de Wit, 1998) -> 6.0

REVISTOS

A leste de Bucareste (Corneliu Porumboiu, 2006) -> 8.0
A outra (Woody Allen, 1988) -> 8.0
Retratos de uma obsessão (Mark Romanek, 2002) -> 7.5
Sobre café e cigarros (Jim Jarmusch, 2003) -> 9.0
Pecados íntimos (Todd Field, 2006) -> 8.0

MELHOR FILME: Terra de minas
PIOR FILME: The void/Jonas
MELHOR DIRETOR: Jordan Peele, por Corra!
MELHOR ATRIZ: Maggie Smith, por Minha querida dama
MELHOR ATOR: Rodrigo Santoro, por Heleno
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Cathleen Nesbitt, por Vidas separadas
MELHOR ATOR COADJUVANTE: Djimon Hounsou, por Diamante de sangue
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: Martin Zandvliet, por Terra de minas
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: John Michael Hayes, por Vidas separadas
MELHOR FOTOGRAFIA: Camilla Hjelm, por Terra de minas
MELHOR TRILHA SONORA: Michael Abels, por Corra!
MELHOR CENA: O tiroteio nos espelhos em John Wick - Um novo dia para matar
MELHOR FINAL: Terra de minas

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