QUINTETO DE OURO - PALMAS DE OURO

O Festival de Cannes desfruta de enorme prestígio não é de hoje. Uma das mostras de cinema mais antigas da Europa, juntamente com Berlim e Veneza, tem sua realização agendada normalmente para maio, e já são 69 edições de filmes, tapetes vermelhos, estrelas, musas, astros, polêmicas, vaias (muitas vaias), aplausos inflamados e tantos outros ingredientes que entusiasmam o público cinéfilo. Mas quem não é espectador inveterado também dá uma espiadinha nessa deliciosa celebração anual sediada à beira do Mar Mediterrâneo.

Para essa edição do Quinteto de Ouro, a tarefa árdua a que me propus foi selecionar meus preferidos entre os vencedores da láurea máxima, a Palma de Ouro. Como forma de reduzir a enorme dificuldade de chegar a apenas 5 nomes, adotei o critério de pinçar um filme por década. Com relação à ordem adotada para a apresentação desses eleitos, mais uma vez recorri à cronologia. O resultado pode ser conferido abaixo, com os parágrafos minimamente justificadores sobre cada escolhido.

1. A doce vida (Federico Fellini, 1960)


O longa mais longo de Fellini é tão emblemático que até contribuiu para o surgimento de mais uma palavra no vocabulário italiano e, a posteriori, de outras línguas, como o português: paparazzo. O termo vem do sobrenome do protagonista, vivido por um Marcello Mastroianni no apogeu da beleza e do vigor, embora essa última característica esteja eclipsada no personagem, um jornalista que sorve o espírito fútil da sociedade romana de seu tempo. O esplendor do Cinema poderia ser facilmente representado e entendido no plano em que Marcello chega com Maddalena (Anouk Aimée) à Fontana di Trevi e ela se deixa envolver pelas águas do monumento. Encanto e poesia para além da palavra.

2. Paris, Texas (Wim Wenders, 1984)


Histórias sobre a volta podem ser consideradas um subgênero cinematográfico, e Wenders compôs seu exemplar com notório sentimento e delicadeza. A jornada de um homem que tem medo de avião e obriga o irmão a percorrer quilômetros de estrada para levá-lo de novo ao convívio familiar reserva passagens memoráveis para seu público. Memória, aliás, é o que falta a Travis (Harry Dean Stanton no papel de sua vida), e à medida que o roteiro desvenda o que forma o passado da estrada de sua vida, as emoções afloram. E como esquecer a sequência do reencontro dele com Jane na conversa telefônica, tendo Natassja Kinski a maior do tempo em primeiro plano, destacando sua lourice desalentada?

3. Pulp fiction (Quentin Tarantino, 1994)


Afeito a miscelâneas de várias sortes, Tarantino é garoto serelepe que angariou uma legião de admiradores e advogados ferrenhos, para o bem e para o mal. Sua mistura mais acertada, porém, foi justamente a que saiu vitoriosa da Croisette: um vórtice dramatúrgico em que sujeitos desgarrados dos ditames da boa conduta giram sem compromisso com a estrutura linear. Não estranhe, portanto, se alguém que parecia ter saído de cena volte a comparecer sem o menor aviso prévio, e, no fundo, o entendimento da trama é até bem fácil de se obter. Difícil é destacar uma única cena ou diálogo genial dessa antologia pop de histórias menores (?) e absurdas (?!).

4. A criança (Jean-Pierre e Luc Dardenne, 2005)


O cinema seco e com doses cavalares de realismo (quimera por vezes, superestimada) chega às linhas do zênite com A criança, pelo qual os Dardenne receberam sua segunda Palma. O cotidiano de Bruno (Jérémie Renier) e Sonia (Déborah François) é visto sem trilha sonora de violinos ou quaisquer outros instrumentos comuns em dramas calculados para emocionar. E o modo atabalhoado com que ele tenta conduzir a vida pós paternidade devasta. Quase sempre tendo a câmera bem rente a seus corpos em constante deslocamento, os jovens erram, se desentendem e experimentam a frialdade em mundo que lhes oferece baixíssimas expectativas. 

5. A árvore da vida (Terrence Malick, 2011)


Malick poderia facilmente receber a antonomásia de cineasta espiritual. Sua reflexão sobre a pequenez humana, a imensidão do universo e um Deus grande ao qual se lançam questionamentos e confissões embeveceu uns, afugentou outros. Mas indiferença não parece uma opção diante do filme, que vai aos primórdios da história terráquea e revela a beleza dura, tênue, perturbadora e estonteante da vida, só para ficar em alguns adjetivos. É o cinema buscando lidar com o indizível, flertando com a literatura ao adicionar fluxos de consciência à narrativa e evocando um pensamento do salmista Davi sobre Deus: Que é o homem mortal, para que Te lembres dele?

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