Redescobrindo o amor e o prazer ou Um divã para dois


Quem resiste a um bom clichê? Se a sua resposta for positiva, não se furte de assistir a Um divã para dois (Hope springs, 2012), comédia deliciosa assinada pelo talentoso David Frankel, que, novamente, demonstra tino para o gênero se utilizando de alguns lugares comuns que, no fundo, costumam funcionar muito bem quando aliados a um bom texto e a interpretações inspiradas. O mote do filme é a crise conjugal de Kay (Meryl Streep) e Arnold (Tommy Lee Jones), que está junto há mais de três décadas e vem experimentando a mornidão em seu casamento. Não há uma terceira pessoa desvirtuando a cabeça de um deles, como normalmente se pensa diante de um casal cujos parceiros aparentam desinteresse um do outro. O problema é, na verdade, interno. Os anos de convivência adormeceram a sexualidade dos dois e, agora, é preciso reinventar essa relação em busca da libido perdida. De saída, percebemos que o esforço para esse recomeço é todo de Kay. Eles já dormem há um bom tempo em quartos separados e, diante de um insinuação dela para dormirem juntos, Arnold demonstra total falta de tato com a esposa.

Mais adiante, Kay toma a decisão que vai finalmente dar uma sacudida na rotina de um casal. Inconformada com as condições em que se encontra com o marido, ela procura e encontra um local que se lhe apresenta como a solução de seu problema: um terapeuta de casais que atende em uma pequena cidade de veraneio. Trata-se do Dr. Bernie Feld (Steve Carell), cujo método terapêutico normalmente surte efeito nos relacionamentos de quem procura por ele. Então, Kay arrasta Arnold consigo, que permanece incrédulo ante as inquirições de Bernie, totalmente disposto a reverter o quadro amoroso dos dois com simplicidade e comedimento. Com os três em cena, está formado um jogo de cena delicioso com todo o potencial para conquistar o espectador, sobretudo o mais afeito a comédias românticas, um subgênero rodeado de indisposição, sobretudo por quem privilegia ação desenfreada em sua dieta cinematográfica. Um divã para dois segue na contramão do típico estardalhaço hollywoodiano , sussurrando com uma narrativa simples e quase minimalista sobre um casal em processo de redescoberta de si mesmo e do outro.

É nessa simplicidade que Frankel pavimenta seu território como realizador e nos traz personagens plausíveis, à volta com os problemas prosaicos que surgem em suas rotinas. De quebra, somos brindados com desempenhos de atores veteranos. Tanto Streep quanto Lee Jones e Carell proporcionam vários achados, seja pelos diálogos pontuais, seja pela liberdade que vão experimentando com seus papéis para tocar em tabus que, segundo o senso comum, não cabem mais depois de certa idade. Bobagem. Kay e Arnold podem e devem experimentar o reavivamento de seu desejo e, de tanto insistir, ela acaba convencendo-o de que é plenamente possível reencontrar o caminho do prazer. E é assim que temos uma nova chance de acompanhar o timing cômico da atriz que, sexagenária, também sabe fazer uso de sua sensualidade em favor de uma personagem. Sabe-se muito bem que a carreira de Streep se consolidou no terreno do drama, de onde vêm, inclusive as três estatuetas do Oscar que hoje compõem sua coleção de láureas. Entretanto, ela também tem se aventurado em filme mais leves e divertidos de uns anos pra cá, algo que começou a ficar mais recorrente a partir de Mamma mia! (idem, 2008), em que ganhou um papel que lhe remoçou ao menos uma década. Na pele de Kay, ela desconstrói parte de sua imagem de atriz inatingivel e se libera para comentar algumas peripécias sexuais, ficando à vontade até mesmo para entender mais do assunto com o auxílio de um livro e uma banana. E tudo isso sem cair na armadilha fácil da vulgaridade.


Por sua vez, Lee Jones oferece sua contenção a serviço de Arnold, um sujeito que quase pode ser lido como um carrasco no começo da história, quando há alguns traços de maniqueísmo na abordagem do seu casamento com Kay e ela parece uma vítima sua. Na verdade, ele é o típico homem que entrou na zona de conforto depois de tanto tempo ao lado da mesma mulher e que sente dificuldade em manifestar o desejo que ainda sente por ela. O sentimento está lá, mas tão bem guardado que ele mesmo parece não se lembrar da gaveta em que o colocou. Mas Kay está realmente disposta a ajudá-lo nessa procura, enfrentando a sua resistência ostentada em uma expressão séria e nas reservas em comentar com Bernie sobre o que o atrai na esposa e algumas fantasias eróticas que habitam o seu imaginário. Assim, aos poucos, ele também vai cativando o público e se mostrando, acima de tudo, como um amante desastrado que, diante da incisividade de Kay e da exposição aos conselhos de Bernie, é instado a rever suas atitudes e oferecer novamente o seu calor à companheira de longa data. E Carell não faz por menos, brilhando com um personagem de dimensões reduzidas misturando humor e consistência dramática para fazer sua parte como o terapeuta da pequena cidade.

Um divã para dois é, enfim, um daqueles filmes perfeitamente encaixáveis em uma tarde de domingo, para ver em boa companhias. Não é filme apenas para casais formados há tempos ou em vias de formação, mas também para amantes de boas comédias e de elencos talentosos orquestrados por uma direção que não se presta a exercícios ególatras, deixando todo o espaço para que o longa em si cresça e apareça. Os tais clichês que fazem parte do rearranjo das harmonias de Kay e Arnold são usados de modo orgânico, beneficiando a narrativa com pitadas reflexivas ou com boas risadas. Enquanto eles aprendem suas lições de amor e desejo, o espectador também tem a chance de descobrir algumas verdades sobre relacionamentos sem esbarrar em um discurso didático chato ou pesado. Frankel merece elogios por sua carreira até aqui, pautada por escolhas simples mas não banais. Seu currículo traz o também ótimo O diabo veste Prada (The devil wears Prada, 2006) e o afável Marley e eu (Marley and me, 2008) e, no filme em questão, repete adoravalmente sua parceria com Meryl Streep, além de tirar Tommy Lee Jones um pouquinho de sua sucessão de dramas violentos e policiais sombrios. Portanto, não há razões para resistir. A doce receita de filme cômico traz outra vez seus ingredientes na medida e convida o público a saboreá-la sempre com um sorriso no rosto.

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