Lunar e a procura incessante por um interlocutor


A modernidade trouxe ao homem ônus em quantidade tão grande quanto a de bônus. Basta ver o quanto as relações contemporâneas estão cada vez mais atravessadas pelo prisma virtual e midiático, o que confere lhes confere um preocupante aspecto de artificialismo. De certa, forma, pensando nessa tendência provavelmente universal, Duncan Jones empreendeu o esforço de trazer à existência Lunar (Moon, 2009) uma metáfora para a solidão humana nos grandes conglomerados disfarçada de ficção científica. Quando empregado para levar à reflexão sobre o homem e o mundo, o gênero é pródigo em produzir pérolas, e não faltam bons exemplares ao longo dos anos, como Laranja mecânica (A clockwork orange, 1971), Código 46 (Code 46, 2003) e Filhos da esperança (Children of men, 2006). O filme em questão se filia a esse modelo de produção inteligente e desafia a plateia com seu mergulho nas profundezas do espírito combalido de um astronauta.

Sam Bell (Sam Rockwell, formidável) está vivendo há um certo tempo em uma estação espacial na Lua. Não há nenhum outro ser humano por lá além dele, e sua condição de eremita cósmico lhe confere uma alta dose de pesar. É extremamente difícil para ele lidar com o fato de que os dias passam e não existe alguém com quem conversar ou manter qualquer outro tipo de interação. Restam-lhe as fotos, as lembranças e os diálogos ocasionais com a família, que permanece na Terra aguardando o seu retorno quando chegar o momento exato para isso. Portanto, não é de se estranhar que Sam acabe se apegando tanto ao supercomputador que o auxilia na expedição de descoberta em solo lunar. A máquina (que se chama GERTY e tem a voz de Kevin Spacey no original) é a companhia mais parecida com a de uma pessoa à qual ele pode recorrer, e ele o faz através de constantes conversas sobre alguns temas triviais e sobre atividades necessárias no seu cotidiano de homem do espaço.

Todo esse aparato tecnológico, no fundo, é muito mais um envoltório de uma narrativa de interpretações múltiplas propostas por Jones, cuja base remete à canção Space oddity, entoada por David Bowie, de quem o diretor estreante é filho. O filme foi bem recebido pela crítica, que enxergou nele uma capacidade de diálogo com o público para além de sua estética de futuro do passado. A certeza despertada por Lunar é a de que os anos passam e a importância de se manter vínculos duradouros não diminui, bem como de que os fantasmas interiores perseguem o homem onde quer que ele esteja, sendo necessário quitar suas pendências consigo mesmo para prosseguir. E essas reflexões são trazidas pela aglutinação de uma série de elementos admiráveis presentes na obra, entre eles, a interpretação devastadora de Rockwell. Habituado a papéis de tendências cômicas, o ator oferece sua envergadura física para compor um homem atormentado pelo seu próprio duplo, vivendo uma experiência pulsante e cinética sem precedentes em sua vida. Seu cabedal interpretativo vem sendo forjado ao longo das últimas décadas, as quais ele tem passado sob a direção de nomes heterogêneos como Woody Allen (Celebridades[Celebrity, 1998]) e Ridley Scott (Os vigaristas [Matchstick men, 2003]) e que, de algum modo, têm contribuído para a consolidação de seu tônus dramático e fazem ver que sua escalação para o filme foi acertada.


O clima de sufocamento é crescente em Lunar. Toda a narrativa se restringe ao espaço da estação onde Sam trabalha e a eventuais cenas externas que mostram uma engenhosa criação do ambiente do satélite natural do nosso planeta. O simples fato de apostar nesse confinamento já confere ao filme um aspecto de desconforto, sublinhando a via crucis solitária de Sam, rodeado de apetrechos que sublinham uma conjuntura de réquiem monocórdio. A voz em tremores incertos ondula, ondeia e exprime a intensa e desoladora procura por um interlocutor em um mundo de vácuos codificada sob a forma de alegoria sideral. Em um espaço como esse, sobra ocasião para delírios imaginativos e agitações febris de um corpo de questionamentos faiscantes. Sam ora domina, ora é dominado por seus temores, em uma condução segura de Jones, que não apela para alardes em sua concepção de filme. De certo modo, o aspecto formal de Lunar é até modesto: a ambição está naquilo que se conta e que instiga e intriga tanto o espectador.

O ótimo trabalho do cineasta lhe rendeu o merecido prêmio de revelação no BAFTA, compensando dignamente o esforço de filmagens que duraram apenas 33 dias. Por outro lado, é lamentável que o longa tenha sido privado de exibições em circuito comercial e ido diretamente para as prateleiras das locadoras. Certamente, a experiência de assistir a esse petardo dramático de força centrípeta seria ainda mais impactante diante de uma grande tela. Um dado curioso por trás do filme é que ele foi rodado enquanto acontecia uma greve de roteiristas. Entretanto, de acordo com o próprio diretor, foi essa greve que possibilitou que ele tivesse em sua equipe técnica vários especialistas em efeitos visuais, tornando Lunar uma fusão maravilhosa entre arquitetura imagética e construção dramática, no sentido substantivo do termo. No que concerne à trilha sonora, ela é assinada por Clint Mansell, conhecido por suas colaborações com Darren Aronofsky em obras como Fonte da vida (The fountain, 2006), a qual também é atravessada por pulsões metafísicas. Apesar de esparsa em Lunar, ela faz valer cada minuto em que é usada e contribui para o êxito de um filme de brilho incomum.

Comentários

  1. Eu não sou dos maiores fãs desse filme, esse que agrada a muitos.

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