Tudo pelo poder, um envolvente jogo de reviravoltas


Tudo pelo poder (The ides of March, 2011) é a quarta experiência de George Clooney na cadeira de diretor e, a exemplo das anteriores, essa também é acertada. Em seu filme, ele demonstra que a boca que beija pode ser a mesma que morde, através de uma trama consistente de bastidores políticos que, em muito, pode ser cotejada com a vil realidade que circunda um ambiente pelo qual boa parte dos brasileiros não chega a se interessar. O filme acompanha a jornada irregular de Stephen Myers (Ryan Gosling), um jovem assessor de imprensa de um importante candidato à presidência da República dos Estados Unidos. Ele é um dos homens de confiança de Mike Morris, que, no começo da história, é um senador envolvido com a campanha que pode levá-lo à vitória nas urnas do país. Como o roteiro decalcado da peça de Beau Willimon sublinha, Morris é objeto da intensa admiração de Stephen, que vê nele um belo exemplo a ser seguido. Uma das primeiras cenas apresenta a preparação de Mike para mais um dos vários discursos para a imprensa. É ali que esse encantamento de Stephen pelo homem que é ilibado e probo diante dos seus olhos surge mais escancarado.

Entretanto, nem Stephen nem Mike são completamente impolutos, e Clooney faz questão de desconstruir essa imagem inicial de ambos paulatinamente, exalando uma aura de desilusão com a política e deixando entrever que, segundo o seu ponto de vista, entrar nesse meio é lidar o tempo todo com cobras e lagartos. A ideia de que uma mesma pessoa pode assoprar ou morder de acordo com as circunstâncias é reforçada inclusive por um dos pôsteres do filme, que apresenta uma das letras do título como um círculo semifechado: em uma ponta, está uma mão e, na outra, uma boca aberta fazendo alusão a uma serpente. Essa dubiedade atravessa tanto Mike quanto Stephen, o verdadeiro protagonista da história, chamado carinhosamente de Steve. Encarnado com talento notável por Gosling, ele é o típico personagem cuja força está em não se mostrar por inteiro desde o início. O espectador tem uma certa imagem dele por boa parte do filme, até que ela é habilmente invertida no transcorrer da narrativa.

Assim também acontece com Mike, o que torna Tudo pelo poder um filme que caminha na direção oposta à dos clichês mais caros a filmes de cenário político. Clooney escapa de olhares enviesados e quebra expectativas. Isso acaba tornando a obra um tanto pessimista mas, ao mesmo tempo, exibe sua filiação a uma realidade nefasta que não é exclusividade do Brasil. À medida que a sede por uma boa colocação na política avança, as mãos polidas (uma alusão ao contexto italiano do século XX) vão se emporcalhando cada vez mais, em um processo que parece unidirecional. Stephen prova da água do poder e se torna cada vez mais sedento desse líquido viciante. A prova são seus atos cada vez mais escusos e questionáveis, que acenam para a certeza de que ele é um lobo em pele de cordeiro. Mas haveriam cordeiros entre os senadores, deputados ou outros ditos representantes da população? São tantos os interesses em jogo que a noção de abjeto ou de incorreto são descaradamente alargadas, segundo o bel-prazer que domina os componentes desse cenário tão questionável.



Os grandes trunfos de Tudo pelo poder são seu elenco e seu roteiro. Gosling demonstra firmeza e competência para defender Stephen, que surge em tela como um idealista cuja corrosão se dá pelo contato direto com todo tipo de torpeza encontradiça na selva de potentes. Ele dá provas cada vez mais contundentes que é um dos grandes atores de sua geração, sendo celebrável a cada novo trabalho e imprimindo versatilidade aos seus papéis, algo indispensável em uma indústria tão isomorfista quanto Hollywood. Inicialmente, o papel seria de Leonardo DiCaprio, mas ele acabou ficando no longa somente como produtor executivo. A dança das cadeiras também afetou o personagem Paul Zara, que caberia a Brad Pitt, porém, foi parar nas mãos de Philip Seymour Hoffman, outro tarimbado ator que gera muita satisfação no público a cada aparição sua em um filme; aqui não é diferente, e seu personagem tem uma função importantíssima na trama, que é a de revelar o quanto o caráter de Stephen é volátil. E as atuações ficam ainda melhores com os diálogos afiados colocados em suas bocas, evidenciando um texto de qualidade transformado em ágeis bate-bolas.

É uma grande pena que a distribuidora tenha optado por colocar um título tão “bombástico” no filme no Brasil. Teria sido muito mais interessante simplesmente traduzir o original, e o resultado seria um poético Os idos de março, que faz referência a traições na essência, por ter sido, entre outras coisas, a época em que o imperador Julio Cesar foi assassinado. Depois de assistir ao filme, a citação à data histórica fica totalmente evidente. Outro grande acerto do filme é passar longe de vilanizar ou vitimizar seus personagens, deixando aflorar o que há de mais humano e passional em cada um deles, e apostando em atos falhos e consequências que, na maioria das vezes, revelam-se incontroláveis. Tudo pelo poder tem o nobre mérito de conduzir à reflexão por meio de sua trama bem engendrada, de seus vários diálogos que não chegam a ser prolixos e da demonstração clara de que Clooney é um baita ator e diretor, além de um homem com grande consciência política que nos proporcionou com esta adaptação um envolvente jogo de intrigas e reviravoltas.

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