Perseguindo um sonho entre os reveses ou Quem quer ser um milionário?

Quando começou sua carreira internacional, Quem quer ser um milionário? (Slumdog milionaire, 2008) causou furor nas cerimônias de premiação e revelou ao mundo um Danny Boyle inspirado e mais uma vez demonstrador de ecletismo. Frequentemente tido como um Cidade de Deus (idem, 2002) indiano, o filme é um retrato realista – até certo ponto – e carismático de um jovem em longo processo de busca da realização de seus sonhos. Jamal M. Malik (Dev Patel) é um garoto do subúrbio de Nova Délhi que ganha a vida servindo chá em uma empresa de telemarketing. Sua vida até ali sempre fora marcada pela pobreza e pelas sérias dificuldades, e ele só tem ao irmão mais velho, Salim (Madhur Mittal), que se revela um crápula desde a tenra infância. Para dar um novo rumo ao seus passos, ele decide participar do programa de TV que dá o título em português do filme. Entretanto, seu grande intento com a participação no programa é obter a visibilidade necessária para reencontrar Latika (Freida Pinto), a garota dos seus sonhos, já que a atração é uma das maiores audiências de seu país.

Está formado o enredo de um filme multicolorido, que não renega sua filiação a uma tradição de filmes indianos, que são os mais produzidos no mundo inteiro. Hoje a grande maioria do público já sabe que a maior indústria cinematográfica do mundo é Bollywood, uma aglutinação entre os nomes das cidades de Bombaim (atualmente chamada Mumbai) e Hollywood. São centenas de filmes todos os anos, muitos dos quais ultrapassam facilmente as 3 horas de duração. Boyle não é tão prolixo, e concentra sua narrativa em 120 minutos de correria e estripulias visuais. Quem quer ser um milionário? alia um quê de drama social com uma aventura individual de toques eletrizantes, que deixam a plateia em permanente interesse pelos desdobramentos da caminhada de Jamal rumo a uma nova perspectiva de vida. Na verdade, é uma história bem simples e sem grandes ousadias no seu conteúdo. Sua forma é o que desperta mais curiosidade, com certas idas e vindas temporais que afastam a monotonia da narrativa. Elas acontecem na medida certa, sem que causem entorpecimento no público e o deixe perdido.
Ao longo do filme, é possível deparar com vários aspectos positivos, que enaltecem a proposta de Boyle de conferir ecletismo à própria carreira. Seus trabalhos antecessores, além de versar sobre temáticas diversas, têm formas distintas e tratamentos idem, como é o caso de A praia (The beach, 2000) e Extermínio (28 days later, 2003). É louvável o esforço do diretor em inovar a cada trabalho, seja na forma, seja no conteúdo. Quem quer ser um milionário? não traz muitas novidades no campo dramático, mas conquista por trazer no centro da trama personagens carismáticos e facilmente encontráveis na vida real. O título original é um pouco mais seco, e pode ser traduzido como “milionário favelado”, em alusão à periferia da cidade habitada pelo protagonista. Patel faz uma bela dupla com Pinto, e fica irresistível para o plateia torcer pelo reencontro do jovem casal. É fato que o filme tem um forte apelo comercial, o que o tornou um sucesso popular quase instantâneo e, de certa forma, popularizou a cerimônia do Oscar 2009, que entregou nada menos que oito prêmios ao longa-metragem, incluindo o principal, além de lhe ter concedido as láureas nas categorias de fotografia, trilha sonora e roteiro adaptado. Havia sido dez indicações no total, e o filme simplesmente abocanhou quase todas. Talvez tenha havido um certo exagero da Academia em dar tantos prêmios a um único filme, mas é perceptível que há qualidades nele.

Por falar na trilha sonora, ela foi composta em apenas 20 dias, sob a responsabilidade de A. R. Rahman, indiano com um extensa carreira de músico em filmes de sua terra. Entre 1992 e 2007, foram mais de trinta títulos com trilha sonora de sua autoria, sendo Quem quer ser um milionário? um de seus primeiros trabalhos em solo estadunidense, precedido apenas por Elizabeth – A era de ouro (Elizabeth – The golden age, 2007). Ele voltaria a colaborar com Boyle no filme seguinte do diretor, 127 horas (127 hours, 2010), respondendo por uma trilha sonora atordoante e arrepiante. No caso do filme analisado, há uma deliciosa mescla de canções conhecidas na Índia com outras mais familiares para ouvidos ocidentais, que pontuam as ações da narrativa sem soar acessórias e, por isso, irritantes. Este é um filme que não se envergonha de ter uma pegada mais popular, e também faz jus ao rótulo de entretenimento, o que, por si só, não constitui um demérito.
O roteiro também conta pontos a favor do filme, e é assinado por Simon Beaufoy, cujo currículo inclui filmes de comédia, como Ou tudo ou nada (The full monty, 1997), e que firmaria novamente uma parceira com Boyle em seu filme anterior. Aqui, a grande contribuição é a já citada não-linearidade da trama, que alterna a infância e a adolescência dos personagens com habilidade notável. A mescla entre os atores que dão vida ao trio quando crianças e aos que o interpreta quando jovens evidencia o talento de ambos os atores para cada papel. A grande preocupação do cineasta é discorrer sobre o peso da sorte no destino de cada um, e sobre como é possível mudar os rumos da própria vida quando se adota uma conduta pró-ativa. Um senão se revela a cada momento de pieguice do qual o filme, às vezes, não consegue escapar, e esse aspecto lhe é comprometedor. Mas, muitas vezes, o que se quer é apenas uma diversão com menos dose de reflexão, e Quem quer ser um milionário? cumpre bem esse papel.

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